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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A invenção da tradição: Império e República Velha

Brasil: Guerra Farroupilha: História e mito A invenção da tradição: Império e República Velha Por Mário Maestri (*) Nas décadas seguintes ao fim da guerra separatista, facções das elites sulinas apropriaram- se da memória farroupilha, adaptando-a aos seus objetivos. Esse processo foi permitido pelo conteúdo nulamente social de um movimento onde as classes subalternizadas jamais intervieram em forma autônoma. No Segundo Reinado [1840-1889], o desenvolvimento da cafeicultura, no Centro Sul, relançou a criação de mulas para o transporte e a produção de charque para as escravarias, no Sul. A boa conjuntura permitiu às elites pastoris retomaram o poder político regional, através do Partido Liberal, hegemônico no Rio Grande, de 1866 a 1889. O Partido Liberal expressava os criadores do meridião que haviam dirigido a revolta de 1835. Devido à importância dos cativos nas fazendas e charqueadas, os liberais defendiam a escravidão. O grande tribuno liberal Gaspar Silveira Martins declararia amar "mais sua pátria do que o negro" durante os debates sobre o fim da escravidão. Os liberais reivindicaram facilmente a memória farroupilha, que permanecia propriedade das classes pastoris do meridião, como no passado. Porém, monarquistas, defendendo apenas a descentralização do poder imperial, abandonavam duas grandes bandeiras farroupilhas - a separação e a república. Urbanos e abolicionistas Em 1878, em Porto Alegre , fundou-se o Clube Republicano "Bento Gonçalves". A seguir, fez-se o mesmo em outras cidades do interior. Saídos das frágeis classes médias, os primeiros neo-republicanos sulinos desenvolveram ativa agitação abolicionista, com pouco resultados, em província dominada pelos criadores. Assim, a memória farroupilha era apropriada por grupos sociais, política e geograficamente estranhos ao movimento. O mundo urbano e as classes médias jamais haviam sido farroupilhas. Os líderes farrapos abominavam a libertação dos cativos. Bento Gonçalves morrera como grande escravista. Acelerava-se a reinvenção da memória farrapa. Em fevereiro de 1882, em Porto Alegre , meia centena de delegados elegeram a comissão organizadora do Partido Republicano Rio-grandense. Logo, o PRR foi controlado por jovens filhos de ricas famílias de criadores, em boa parte do centro e do norte do RS, chegados sobretudo da escola de Direito de São Paulo. Eles defendiam modernização conservadora do Rio Grande. No início de 1880, em São Paulo , alguns desses universitários - Borges de Medeiros, Júlio de Castilhos, Pinheiro Machado, etc. - fundaram o Clube 20 de Setembro, para celebrar o republicanismo sulino. Em 1882, a pedido dos seus pares, o jovem Assis Brasil escreveu uma História da república rio-grandense. A pátria pequena O PRR desenvolveu virulenta pregação republicana e federalista. Os jovens jacobinos defendiam a autonomia regional e a diversificação produtiva, devido à estagnação da economia pastoril-charqueadora. A República Farrapa tornava-se referência da propaganda dos positivistas radicais, adeptos das "pequenas pátrias" de Auguste Comte. Momentos antes da República, o jovem líder republicano Júlio de Castilhos propôs a celebração do 20 de Setembro. Com o golpe anti-monárquico de 15 de novembro de 1889, os republicanos sulinos empalmaram o poder regional, institucionalizando a leitura positivistas do passado farroupilha. Em 14 de julho de 1891, promulgava-se a constituição republicana sulina, com ante-projeto de Júlio de Castilhos. Ela determinava que as "insígnias oficiais do Estado" seriam as do "pavilhão tricolor criado pelos revolucionários [...] de 1935". Para manterem-se no poder e implementar o novo projeto, os republicanos positivistas vergaram as forças do meridião pastoril, na mais sangrenta guerra civil conhecida pelo Rio Grande. A revolta farroupilha foi rusga de namorados, ao lado da carnificina de 1893- 5. A Revolução Federalista ceifou mais de dez mil vidas, em população de um milhão de habitantes. Somos todos farrapos Durante o confronto, os fazendeiros do meridião, herdeiros sociais, políticos e territoriais dos liberais e dos farroupilhas, reunidos sob a nova bandeira federalista, foram acusados de monarquistas e de separatistas pelos castilhistas, republicanos e federalistas extremados. A memória farroupilha escorregava, manipulada, para as mãos dos republicanos do PRR. Os republicanos positivistas assumiam a herança simbólica da revolta latifundiária-pastoril, que vestiam com nova roupagem. Enfatizando o autonomismo e o republicanismo farrapos, alicerçavam simbolicamente o republicanismo federalista radical defendido pelo PRR na República Velha [1889-1930]. Na nova versão, a memória farroupilha passava a ser herança de todo sulino, não importando sua origem étnica - negro ou branco -; sua origem social - pobre ou rico -; sua região de nascimento - Campanha, Litoral, Serra, etc. Manipulava-se a história, apresentando o movimento como de toda a população do Rio Grande, contra o Estado central. O mito da unidade da população, no passado, na luta por ideal único, fortalecia a proposta de comunhão de interesses do sul-rio-grandense, no presente, pilastra da ordem republicana autoritária que regeu o Rio Grande até a Revolução de 1930. Era a história desvanecendo por detrás do mito. (*) Mário Maestri é professor do Programa de Pós-Graduação em História da UPF.

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