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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
Franklin, o poderoso conselheiro de Lula
Estado
Ministro mudou relações do governo com a mídia
O ministro da Comunicação de Governo, Franklin Martins, chega ao Palácio do Planalto às 8h30, meia hora antes do chefe, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse intervalo de 30 minutos, organiza por ordem de importância o noticiário do Brasil e do mundo, que ele já leu. Em seguida, sobe do segundo - onde fica seu gabinete - para o terceiro andar, em que Lula despacha. Ali, os dois comentam a repercussão diária das ações do governo e o que deve ser feito e dito nas próximas 24 horas pelo presidente.
Essa é apenas a largada diária de uma relação que em um ano e oito meses transformou o jornalista em um dos principais conselheiros de Lula. Franklin nunca foi íntimo do presidente, mas, do ponto de vista político, está cada vez mais próximo dele.
Se ao longo do dia a agenda prevê uma cerimônia pública com a presença de repórteres, é preciso reafirmar - em tempos de retração econômica mundial - que o Brasil não vai sentir a crise tanto quanto outros países. Ali, no primeiro encontro matinal com Franklin, Lula já se prepara para enfrentar mais um "quebra-queixo" e dar o recado que, no entender do governo, pode tranqüilizar o País. "Quebra-queixo" é aquela entrevista arrancada em um desorganizado ataque dos repórteres ao entrevistado, com empurra-empurra, prisões e algumas rasteiras. Muitas vezes um queixo sai machucado - daí o nome.
Desde que Franklin assumiu o cargo, em 29 de março de 2007, houve uma mudança radical nas relações entre o governo e a mídia. Arredios ao extremo, o presidente Lula e os ministros mudaram. E muito. "Desde que ele chegou, mudou a comunicação externa e a interna. E o presidente ganhou um conselheiro de peso", admite Gilberto Carvalho, o chefe de gabinete de Lula.
O próprio presidente avalia que o ministro mudou as relações entre o governo e a mídia. "O Franklin trouxe para o governo a experiência de quem trabalhou nos principais meios de comunicação do País. Claro que ajudou a melhorar as relações entre governo e imprensa. Nós evoluímos, mas acho que a imprensa também evoluiu", disse o presidente ao Estado na sexta-feira. Hoje, Franklin contabiliza uma entrevista a cada dois dias, seja nos "quebra-queixos", o modelo que considera mais eficaz, "porque a repercussão é imediata", seja para um veículo só ou para setores, como rádios, emissoras de TV, blogs e portais. Nas viagens internacionais, Franklin conseguiu de Lula o compromisso de sempre falar com os jornalistas brasileiros e também com os do país visitado.
No contato diário não há restrição quanto aos temas a tratar: da reforma tributária à política partidária, dos assuntos internacionais ao pré-sal, da educação ao impacto social das medidas econômicas e à forma como divulgá-las. O jornalista tornou-se influente e os colegas, dentro e fora do Planalto, admitem isso. É comum um ministro, de qualquer área, responder, quando indagado como foi a reunião com o presidente: "Perguntem ao Franklin".
O "conselheiro" Franklin é conciliador ao montar as estratégias de comportamento político e de comunicação do governo, mas não foge ao confronto, quando necessário. Como no caso do debate interno sobre a Lei da Anistia, que uma parte do governo quer rever e outra não - a revisão serviria para tentar condenar os torturadores do tempo do regime militar (1964-1985). O jornalista chegou a pôr o cargo à disposição, acompanhando o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannucchi, por discordar que na prestação de informações ao Supremo Tribunal Federal (STF) prevalecesse apenas a posição estritamente jurídica da Advocacia-Geral da União (AGU). Acabou vencendo um meio termo: seguirá a posição da AGU, mas os demais ministérios envolvidos no assunto também darão seus pareceres.
A influência de Franklin pode ser sentida até em assuntos triviais. Em novembro, Lula e seus ministros foram convidados para a partida de futebol entre as seleções do Brasil e de Portugal, na reinauguração do Estádio Bezerrão, na cidade-satélite do Gama. Franklin foi contra: "Dar mole para fotografias sobre carros oficiais e notícias da presença de autoridades num jogo em que o grande público ficou de fora para quê? É oferecer a cabeça de graça", comentou, segundo um assessor de Lula. Ninguém foi ao jogo. Nem mesmo o ministro do Esporte, Orlando Silva.
Ao saber que o Estado faria uma reportagem procurando contar como se tornou um ministro influente em tão pouco tempo, mesmo sem ter filiação partidária e nunca ter sido "amigão" do presidente, Franklin respondeu que não gostaria de comentar um assunto que, pelo tema, o deixaria constrangido. "O convívio diário com os meios de comunicação é muito importante para o governo. Acho que nunca vamos equilibrar o jogo, mas é ruim ser goleado sempre por 4 ou 5 a zero. É melhor perder por 3 a 2 ou 2 a 1. Meu trabalho se resume nisso."
Concordou em falar sobre seu método de trabalho. Disse que procura estar sempre ao lado do presidente nas viagens. Estando no local dá para sentir a temperatura dos meios de comunicação, se, por exemplo, há queixas dos repórteres com relação ao tratamento recebido. Outra utilidade das viagens: jogar conversa fora com o presidente, uma vez que os percursos são longos e há tempo de sobra para além dos despachos burocráticos, para comentários de filmes e de música e até para pequenos desabafos.
Do alto do seu 1,94 metro, Franklin passa uma imagem sisuda, reforçada pelos comentários políticos que fazia nas TVs Globo e Bandeirantes e na Rádio CBN, nos oito anos e meio antes de se tornar ministro. Seu passado também remete a isso. Líder estudantil, integrante do grupo que seqüestrou o embaixador Charles Elbrick em 1969 e conseguiu, com isso, libertar 15 prisioneiros, entre eles José Dirceu, Franklin treinou guerrilha em Cuba. Mas diz que foi um aprendizado que serviu para quase nada. Por seu passado, não pode entrar nos EUA. Não lamenta isso: "Nem os EUA nem eu deixaremos de ser o que somos por causa desse episódio." Além dos contatos do presidente com jornalistas que fazem a cobertura diária no Planalto, Franklin costuma receber repórteres em seu gabinete. Conversa sempre reservadamente, o que no jargão jornalístico é chamado de off. Repete o que durante oito anos fez a jornalista Ana Tavares, que assessorou o então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e é considerada - por Franklin também - o modelo ideal de discrição para saber passar informações importantes, ajudar os jornalistas a sair de pistas erradas e ainda divulgar bem o presidente.
Franklin é, pessoalmente, arredio às entrevistas no Palácio da Alvorada, normalmente concedidas a um só órgão de comunicação e a um entrevistador. Gosta mais da agitação dos "quebra-queixos", das coletivas com muita gente, do tumulto. Defende que a relação governo-imprensa tenha "características de atividade cotidiana, como escovar os dentes, amarrar os sapatos, tomar banho. São coisas que fazem parte da comunicação do governo com a sociedade".
Franklin Martins
Ministro da Comunicação de Governo
"O convívio diário com os meios de comunicação é muito importante para o governo"
"Acho que nunca vamos equilibrar o jogo, mas é ruim ser goleado
sempre por 4 ou 5 a zero. É melhor perder por 3 a 2
ou 2 a 1. Meu trabalho se resume nisso"
Documentos da ditadura descrevem ministro como um exímio atirador
Franklin Martins era considerado de "grande periculosidade" por militares
Folha
LETÍCIA SANDER
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um dos principais auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Franklin Martins (Comunicação Social) era visto pelos órgãos repressivos da ditadura militar (1964-1985) como um dos líderes estudantis de maior evidência, um indivíduo de "grande periculosidade" que, "sempre armado, não vacila em atirar".
O texto, que provoca risos do hoje ministro, foi assinado por Newton Costa (da Delegacia Especializada em Roubos e Furtos) em 4 de setembro de 1969 e integra um calhamaço sobre sua atuação no período, em poder do Arquivo Nacional.
Os documentos, aos quais a Folha teve acesso, incluem uma espécie de ficha do extinto SNI (Serviço Nacional de Informações) datada de 1974, na qual ele é acusado de ter participado de toda ordem de subversão, de assaltos contra bancos e à residência de um deputado, a seqüestros e roubos.
Fatos, em sua maioria, negados pelo ministro. Do teor das acusações listadas, Franklin confirma duas participações: foi ele quem, em 4 de setembro de 1969, estava na direção do Volkswagen azul que bloqueou a passagem do carro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, ponto inicial de uma ação que virou símbolo do combate à ditadura militar.
O ministro também confirma ter feito a "segurança" da operação de assalto à casa do então deputado Edgard Magalhães de Almeida, político ligado às artes que tinha cerca de U$ 70 mil no cofre de casa, dinheiro que foi levado pelos militantes na ação, descrita ainda hoje pelo ministro como de "expropriação", e não roubo.
"Exímio atirador", de acordo com os militares, Franklin é irônico ao se referir à própria periculosidade. "É um conceito subjetivo", diz, acrescentando: "De alta periculosidade eu acho que era o general que comandava o país naquele momento".
O ministro fez curso de guerrilha em Cuba, período em que foi treinado para o uso de armamentos e explosivos, além de táticas de selva e condicionamento físico. Hoje, ele reconhece que a luta armada não foi um instrumento eficaz no combate à ditadura, mas não se arrepende disso.
"Estava lutando contra um regime que, de arma na mão, derrubou o presidente constitucional, fechou os sindicatos, instituiu a censura, acabou com os partidos políticos, prendeu gente até dizer chega, tirou um grande número de parlamentares do congresso, prendeu, torturou, matou.... não sei por que eu teria uma relação de "eu só luto até certo ponto contra a ditadura". Não". "Felizmente", acrescenta, ele diz que nunca teve de atirar em ninguém.
Ao ministro são atribuídos, num dos documentos, comentários desabonadores ao atual presidente da República.
O texto, que constava dos arquivos do SNI, afirma que, num debate público sobre "o socialismo e a crise na Polônia", Franklin se destacou pelas críticas ao sindicato Solidariedade. Ele teria expressado que, "a exemplo da Polônia, o líder Lula deve perder a máscara", comentário do qual Franklin não reconhece a autoria.
O ministro, à época, foi contra a criação do PT. "Eu nunca fui do PT, nem próximo. Ao contrário, tinha críticas, achava o PT muito esquerdista", diz Franklin hoje.
Para ele, os documentos têm valor histórico por revelarem "a mediocridade", além da "incapacidade de conviver com a crítica" do regime.
O governo promete flexibilizar, a partir de 2009, o acesso a este tipo de documentação de posse do Arquivo Nacional.
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