Por Joe Nunes
O singelo conto se resume em um rei nada inteligente que pagou uma bolada a dois espertalhões, que lhe fizeram a oferta de fazerem para o rei uma roupa que superasse em beleza e pompa qualquer outra já usada por qualquer outro imperador. Os ardilosos farsantes pediram ao imperador que lhes comprasse fios de ouro para tecerem a tal veste. Findada a tal obra os mequetrefes deram o maior caó no rei idiota, dizendo ao tolinho que haviam lhe feito uma roupa magnífica, mas que apenas as pessoas muito inteligentes conseguiam vê-la, pois era mágica (adivinhem aonde foi parar todo aquele ouro...). O rei, para não passar por ignorante, em frente a um cabide vazio rasgava elogios ao seu mais novo e deslumbrante traje de gala. Então, não se contendo com pouca burrice, Sua Alteza Real decidiu desfilar para seus súditos sua recém adquirida e caríssima roupa... Durante o desfile (fico imaginado a tamanha atrocidade), avisados do “poder mágico” do troço, todos os súditos se encantavam ao ver o rei passar em praça pública peladinho da silva; só se ouviam comentários de o quanto era maravilhoso aquele manto, “que detalhes lindos”, “viram aqueles ornamentos em ouro? Que fantástico”. Assim então seguiu o cortejo real, com o monarca balançando as partes para quem quisesse ver. Foi que, de repente, no meio da multidão uma criancinha, dotada de toda aquela sinceridade comum a idade, salvou o senso do ridículo daquele longínquo reinado e bradou: “Nossa! Olhem aquilo! O rei está nu!”. E como dizem nos contos de fada... Foi aquela gritaria e correria.
Óbvio que todos sabem onde quero chegar, aliás, esse conto ilustra o discurso de muitos artistas que conheci, portanto não estarei sendo inédito e sim enfático. Essa historia (ou “estória” - essa diferenciação ainda existe?) é o resumo clássico da nossa arte contemporânea e imagino continue sendo por muito tempo. Existe uma infinidade de questionamentos a se fazer quando nos deparamos com a pergunta “o que é arte?”, um emaranhado de conceitos ligados bem mais as nossas percepções da realidade e nossa cultura do que possa nos sugerir a academia. E é justamente da academia que quero falar, é justamente ela que quero questionar.
Se arte é um “conceito”, talvez tenha eu um “pré-conceito” a respeito da arte. Recentemente na abertura da Conferência Estadual de Cultura do estado do Rio Grande do Sul assisti a performance de um bailarino moderno formado em artes cênicas na UFSM na qual o mesmo passou cerca de quinze minutos se jogando no chão das mais estranhas formas possíveis. Não peguei o nome da obra do menino, mas imagino eu, dada a violência das pancadas, seja algo parecido com “Eu me odeio”. O que tem de errado com isso, ele estudou dança, tem todo um conceito naquele trabalho (dirão os críticos de plantão). Não tem nada de errado, eu não estudei dança e seus conceitos, mas nem por isso eu não tenho o direito de dizer: Eu não gostei, achei muito ruim. A grande questão é: eu não entendo de arte ou não entendo de conceitos?
Como artista plástico, frequento casas de arte e exposições (dou preferência a locais públicos e evito galerias, como disse, tenho preconceito) e vejo muita coisa boa, muita coisa ruim, muita coisa fantástica e muitas atrocidades também. Como artista com mais de 15 anos de carreira eu poderia me ater às técnicas, pinceladas, combinações de cores, mas nunca olho uma obra de outra pessoa como tal e sim como admirador da arte, afinal de contas minha alma também precisa de arte. Claro que minha tendência, como de qualquer outra pessoa, é procurar uma obra que me diga algo, me faça pensar, me questionar ou pelo menos me faça viajar um pouco em suas nuances. Detesto vernissages (ainda mais agora que não bebo mais e não como carne - nem prejuízo aos artistas eu consigo dar) e a cena do rei idiota elogiando um cabide vazio é uma comparação inevitável quando vejo senhoras muito elegantes, fazendo cara de quem tem muito conteúdo, admirando e comentando uma obra que se resume a um pingo de tinta vermelha no canto de uma tela branca ou então uma gravura com desenhos infantis tentando expressar alguma coisa cósmica ou transcendental (confesso que a falta de talento de alguns artistas às vezes torna o seu esforço engraçado, alguns só faltam escrever em cada desenho o que eles significam – se não me falha a memória o nome disso é cubismo). Conversando certo dia em uma roda de artistas ouvi as queixas de um menino recém formado em artes visuais, ele criticava os critérios de escolha de um concurso para o qual não obteve classificação. Dizia ele que era injusto julgarem a obra de alguém sem saberem o que essa pessoa havia feito antes, o que ela pensava, qual seu currículo e onde havia e o que havia estudado para chegar até a obra que estava sob julgamento (claro que vi a obra dele e imaginei porque ele não havia se classificado – na verdade tropecei nela, mas isso é outra história). Será que a academia enche seus alunos de centenas de conceitos e nada de arte? Será que estudar arte te torna um artista? Não seria melhor a academia assumir o papel de formadora em especialistas em arte? Ou será que a academia está mesmo preocupada em ensinar seus pupilos a “vender o seu peixe”? Não seria isso uma tentativa de elitizar a arte mais ainda ou pior, criar uma espécie de reserva de mercado?
Tenho visto centenas de produções artísticas, ou tentativas de produção, extremamente ridículas que se reduzem invariavelmente a textos cretinos falando de uma “não-arte”, uma “meta-arte”, uma “supra-arte” ou qualquer outra coisa que leve a entender que o autor da tal obra é tão genial que poucas são as pessoas que conseguirão entender algo tão refinado. O resultado concreto dessas produções é sempre algo ridículo, como uma escada escorada em uma parede branca ou uma foto mal tirada. A maior prova de que os tais conceitos (que ninguém sabe exatamente o que são, tampouco sabe explicar por serem tão sublimes) é que esse tipo de trabalho está saindo da academia e dando vazão para pseudo-autodidatas que, com todo o direito (já que enganar o “rei” não é um direito reservado a ninguém), também fazem porcarias como filmes em curta-metragem, livros sem nenhum conteúdo, telas abstratas e sei-lá-mais-o-que, tudo sem o menor cuidado, dedicação ou criatividade, preocupando-se apenas em fazer um estardalhaço na mídia, acumulando clipagens e currículo que lhes garantem um respaldo com algumas pessoas importantes da classe política e da mídia (a base de muita conversa fiada e trocas de favores) para fazerem mais e mais porcarias. Claro que esse tipo de “costureiro” só consegue vingar em cidades de interior, onde existe grande ignorância das elites e do poder público ligado a arte, uma grande carência por parte de cultura e arte por parte da população e ainda uma ingenuidade, boa intenção e necessidade de ter o que colocar em suas páginas por parte da imprensa. É claro que essa modalidade de enganadores tem vida curta, quando eles mesmos tentam sair de suas cidadezinhas achando que vão enganar mais pessoas e se dão mal, impreterivelmente. As peripécias deles também acabam quando as pessoas se deparam com a sua produção e aquela frase se espalha no ar: “Tanta propaganda por causa disso?”. Mas de qualquer forma eles são até mais cretinos que os discípulos da academia. É demasiado irritante, não o fato de ver suas porcarias, mas sim o das pessoas achando aquilo o máximo. Deprimente e desmotivador para um artista.
Atentem que todas essas são questões que levanto embasado em uma reação inicial que a academia passa para os “leigos” ou “ignorantes” da arte como eu. Tenho muitos amigos formados em diversas faculdades de arte, todos grandes artistas, mas todos já vieram com a sua arte e seus conceitos já definidos para o interior da academia. Buscaram a universidade com o objetivo de aprimorarem suas técnicas, carregarem suas bagagens de conhecimento histórico da profissão que escolheram e, por questões financeiras, ter uma licenciatura para poder aulas e sobreviver economicamente. Mas nenhum deles, tenho certeza, aprendeu a ser artista na academia. Ser artista não é algo que se busque, não é algo que se ensine, é algo que tem a ver com personalidade, com princípios, inquietações e busca de satisfação.
Colocar a arte em um patamar inalcançável, como algo divino ou extraterrestre e que somente os semideuses e semideusas artistas podem entender é tão cretino quanto os “costureiros” apelarem para a estupidez do rei para arrancar-lhe alguns quilos de ouro. Elitizar a arte com a desculpa furada de que poucos podem entender de arte sim é que é preconceito. Dizer declaradamente que pessoas sem um conhecimento dos tais conceitos de arte não pode dizer se acha uma obra bela ou feia é o mais puro preconceito e uma grande presunção de acéfalos que sabem de cor todas as datas de todas as bienais e nem sequer sabem o que significam e o que acarretam as mudanças políticas em um país (aliás, a grande maioria dos idolatras da arte conceitual vivem na vala comum da ignorância proposital da política, ridiculamente achando que sua arte está acima da sociedade e suas relações).
Não há como negar que o artista plástico que escolhe o caminho de vender sua arte em galerias ou através de marchands (ou ambos) tem como “alvo” de seu trabalho pessoas com muita grana, tendo em vista os altos investimentos nessa fatia do mercado. Não há como negar então que o artista nesse caso deve concorrer com centenas de “costureiros” oportunistas e muito bons de lábia, marketing pessoal e uma vasta lista de contatos pessoais e profissionais (no caso desses sujeitos, “pessoal” e “profissional” são a mesma coisa). E todos esses “costureiros” estão sempre à espreita de novos e antigos “reis” para despi-los (nesse caso, somente de seus bens, espero). Não resta outra escolha ao artista por melhor e realmente bela que seja sua arte, ela terá de concorrer com tampinhas de garrafa costuradas com fio dental, baldinhos de areia espalhados em uma sala, furos na parede e toda sorte de arte conceitual e contemporânea que, sabe Deus, possa aparecer. O triste desses meus colegas de pincel, tinta entre as unhas e noites de insônia e criação (arte não se faz nas horas vagas, isso é hobby – alguns artistas são tão esquisitos que até blogs escrevem de madrugada) é que muitos se desiludem ou passam a vida inteira achando que vão conseguir algum sucesso ou grana apenas sendo artistas. Outros mais “costureiros” tentam, sem muito sucesso, inventar histórias mirabolantes sobre suas obras e até sobre suas vidas (conheço um artista mais de idade que decidiu depois de velho puxar o saco de toda pessoa que ele julga ser importante, seria até engraçado se não fosse tão medíocre). Por fim, existem aqueles que resolvem, como dizemos no jargão da arte, se prostituir e deixar que as tendências do mercado conduzam a sua arte, ignorando a lógica do mesmo mercado que é extremamente restrito e depende muito mais de “quem é você” do que “o que você faz”.
Reafirmo aqui o que disse em um texto anterior, pois como disse Augusto Boal, “A política é a rainha das artes” e mesmo que muitos não carreguem sua arte de algum conteúdo político ou até mesmo social, nenhum artista foge de ter em seu trabalho o reflexo do nosso sistema político, de nossa sociedade e de como ela se organiza. Muitos artistas não se dão conta (e provavelmente morrerão não se dando conta) de que, por mais que se queixem de não ter espaço no tal mercado da arte se submetem as regras dele e acabam mantendo aquilo dizem abominar; isso é uma contradição e em última análise uma burrice sem tamanho.
E para caras como eu, que de tão ignóbeis juram de pés juntos que são artistas, resta fazer arte em praça pública, vender telas por preços baixos, fazer exposições no centro comunitário e na casa de cultura daquela cidade com 1.700 habitantes, chamar mais um bando de desprezíveis como eu para montarmos um grupo e atacarmos o espírito público, sacudir as paredes da normalidade e do senso comum, tentar inutilmente popularizar e democratizar as artes plásticas historicamente elitizadas, sentar o sarrafo na arte conceitual e até chegar aos píncaros da loucura a ponto de escrever um blog para contar tudo isso.
O singelo conto se resume em um rei nada inteligente que pagou uma bolada a dois espertalhões, que lhe fizeram a oferta de fazerem para o rei uma roupa que superasse em beleza e pompa qualquer outra já usada por qualquer outro imperador. Os ardilosos farsantes pediram ao imperador que lhes comprasse fios de ouro para tecerem a tal veste. Findada a tal obra os mequetrefes deram o maior caó no rei idiota, dizendo ao tolinho que haviam lhe feito uma roupa magnífica, mas que apenas as pessoas muito inteligentes conseguiam vê-la, pois era mágica (adivinhem aonde foi parar todo aquele ouro...). O rei, para não passar por ignorante, em frente a um cabide vazio rasgava elogios ao seu mais novo e deslumbrante traje de gala. Então, não se contendo com pouca burrice, Sua Alteza Real decidiu desfilar para seus súditos sua recém adquirida e caríssima roupa... Durante o desfile (fico imaginado a tamanha atrocidade), avisados do “poder mágico” do troço, todos os súditos se encantavam ao ver o rei passar em praça pública peladinho da silva; só se ouviam comentários de o quanto era maravilhoso aquele manto, “que detalhes lindos”, “viram aqueles ornamentos em ouro? Que fantástico”. Assim então seguiu o cortejo real, com o monarca balançando as partes para quem quisesse ver. Foi que, de repente, no meio da multidão uma criancinha, dotada de toda aquela sinceridade comum a idade, salvou o senso do ridículo daquele longínquo reinado e bradou: “Nossa! Olhem aquilo! O rei está nu!”. E como dizem nos contos de fada... Foi aquela gritaria e correria.
Óbvio que todos sabem onde quero chegar, aliás, esse conto ilustra o discurso de muitos artistas que conheci, portanto não estarei sendo inédito e sim enfático. Essa historia (ou “estória” - essa diferenciação ainda existe?) é o resumo clássico da nossa arte contemporânea e imagino continue sendo por muito tempo. Existe uma infinidade de questionamentos a se fazer quando nos deparamos com a pergunta “o que é arte?”, um emaranhado de conceitos ligados bem mais as nossas percepções da realidade e nossa cultura do que possa nos sugerir a academia. E é justamente da academia que quero falar, é justamente ela que quero questionar.
Se arte é um “conceito”, talvez tenha eu um “pré-conceito” a respeito da arte. Recentemente na abertura da Conferência Estadual de Cultura do estado do Rio Grande do Sul assisti a performance de um bailarino moderno formado em artes cênicas na UFSM na qual o mesmo passou cerca de quinze minutos se jogando no chão das mais estranhas formas possíveis. Não peguei o nome da obra do menino, mas imagino eu, dada a violência das pancadas, seja algo parecido com “Eu me odeio”. O que tem de errado com isso, ele estudou dança, tem todo um conceito naquele trabalho (dirão os críticos de plantão). Não tem nada de errado, eu não estudei dança e seus conceitos, mas nem por isso eu não tenho o direito de dizer: Eu não gostei, achei muito ruim. A grande questão é: eu não entendo de arte ou não entendo de conceitos?
Como artista plástico, frequento casas de arte e exposições (dou preferência a locais públicos e evito galerias, como disse, tenho preconceito) e vejo muita coisa boa, muita coisa ruim, muita coisa fantástica e muitas atrocidades também. Como artista com mais de 15 anos de carreira eu poderia me ater às técnicas, pinceladas, combinações de cores, mas nunca olho uma obra de outra pessoa como tal e sim como admirador da arte, afinal de contas minha alma também precisa de arte. Claro que minha tendência, como de qualquer outra pessoa, é procurar uma obra que me diga algo, me faça pensar, me questionar ou pelo menos me faça viajar um pouco em suas nuances. Detesto vernissages (ainda mais agora que não bebo mais e não como carne - nem prejuízo aos artistas eu consigo dar) e a cena do rei idiota elogiando um cabide vazio é uma comparação inevitável quando vejo senhoras muito elegantes, fazendo cara de quem tem muito conteúdo, admirando e comentando uma obra que se resume a um pingo de tinta vermelha no canto de uma tela branca ou então uma gravura com desenhos infantis tentando expressar alguma coisa cósmica ou transcendental (confesso que a falta de talento de alguns artistas às vezes torna o seu esforço engraçado, alguns só faltam escrever em cada desenho o que eles significam – se não me falha a memória o nome disso é cubismo). Conversando certo dia em uma roda de artistas ouvi as queixas de um menino recém formado em artes visuais, ele criticava os critérios de escolha de um concurso para o qual não obteve classificação. Dizia ele que era injusto julgarem a obra de alguém sem saberem o que essa pessoa havia feito antes, o que ela pensava, qual seu currículo e onde havia e o que havia estudado para chegar até a obra que estava sob julgamento (claro que vi a obra dele e imaginei porque ele não havia se classificado – na verdade tropecei nela, mas isso é outra história). Será que a academia enche seus alunos de centenas de conceitos e nada de arte? Será que estudar arte te torna um artista? Não seria melhor a academia assumir o papel de formadora em especialistas em arte? Ou será que a academia está mesmo preocupada em ensinar seus pupilos a “vender o seu peixe”? Não seria isso uma tentativa de elitizar a arte mais ainda ou pior, criar uma espécie de reserva de mercado?
Tenho visto centenas de produções artísticas, ou tentativas de produção, extremamente ridículas que se reduzem invariavelmente a textos cretinos falando de uma “não-arte”, uma “meta-arte”, uma “supra-arte” ou qualquer outra coisa que leve a entender que o autor da tal obra é tão genial que poucas são as pessoas que conseguirão entender algo tão refinado. O resultado concreto dessas produções é sempre algo ridículo, como uma escada escorada em uma parede branca ou uma foto mal tirada. A maior prova de que os tais conceitos (que ninguém sabe exatamente o que são, tampouco sabe explicar por serem tão sublimes) é que esse tipo de trabalho está saindo da academia e dando vazão para pseudo-autodidatas que, com todo o direito (já que enganar o “rei” não é um direito reservado a ninguém), também fazem porcarias como filmes em curta-metragem, livros sem nenhum conteúdo, telas abstratas e sei-lá-mais-o-que, tudo sem o menor cuidado, dedicação ou criatividade, preocupando-se apenas em fazer um estardalhaço na mídia, acumulando clipagens e currículo que lhes garantem um respaldo com algumas pessoas importantes da classe política e da mídia (a base de muita conversa fiada e trocas de favores) para fazerem mais e mais porcarias. Claro que esse tipo de “costureiro” só consegue vingar em cidades de interior, onde existe grande ignorância das elites e do poder público ligado a arte, uma grande carência por parte de cultura e arte por parte da população e ainda uma ingenuidade, boa intenção e necessidade de ter o que colocar em suas páginas por parte da imprensa. É claro que essa modalidade de enganadores tem vida curta, quando eles mesmos tentam sair de suas cidadezinhas achando que vão enganar mais pessoas e se dão mal, impreterivelmente. As peripécias deles também acabam quando as pessoas se deparam com a sua produção e aquela frase se espalha no ar: “Tanta propaganda por causa disso?”. Mas de qualquer forma eles são até mais cretinos que os discípulos da academia. É demasiado irritante, não o fato de ver suas porcarias, mas sim o das pessoas achando aquilo o máximo. Deprimente e desmotivador para um artista.
Atentem que todas essas são questões que levanto embasado em uma reação inicial que a academia passa para os “leigos” ou “ignorantes” da arte como eu. Tenho muitos amigos formados em diversas faculdades de arte, todos grandes artistas, mas todos já vieram com a sua arte e seus conceitos já definidos para o interior da academia. Buscaram a universidade com o objetivo de aprimorarem suas técnicas, carregarem suas bagagens de conhecimento histórico da profissão que escolheram e, por questões financeiras, ter uma licenciatura para poder aulas e sobreviver economicamente. Mas nenhum deles, tenho certeza, aprendeu a ser artista na academia. Ser artista não é algo que se busque, não é algo que se ensine, é algo que tem a ver com personalidade, com princípios, inquietações e busca de satisfação.
Colocar a arte em um patamar inalcançável, como algo divino ou extraterrestre e que somente os semideuses e semideusas artistas podem entender é tão cretino quanto os “costureiros” apelarem para a estupidez do rei para arrancar-lhe alguns quilos de ouro. Elitizar a arte com a desculpa furada de que poucos podem entender de arte sim é que é preconceito. Dizer declaradamente que pessoas sem um conhecimento dos tais conceitos de arte não pode dizer se acha uma obra bela ou feia é o mais puro preconceito e uma grande presunção de acéfalos que sabem de cor todas as datas de todas as bienais e nem sequer sabem o que significam e o que acarretam as mudanças políticas em um país (aliás, a grande maioria dos idolatras da arte conceitual vivem na vala comum da ignorância proposital da política, ridiculamente achando que sua arte está acima da sociedade e suas relações).
Não há como negar que o artista plástico que escolhe o caminho de vender sua arte em galerias ou através de marchands (ou ambos) tem como “alvo” de seu trabalho pessoas com muita grana, tendo em vista os altos investimentos nessa fatia do mercado. Não há como negar então que o artista nesse caso deve concorrer com centenas de “costureiros” oportunistas e muito bons de lábia, marketing pessoal e uma vasta lista de contatos pessoais e profissionais (no caso desses sujeitos, “pessoal” e “profissional” são a mesma coisa). E todos esses “costureiros” estão sempre à espreita de novos e antigos “reis” para despi-los (nesse caso, somente de seus bens, espero). Não resta outra escolha ao artista por melhor e realmente bela que seja sua arte, ela terá de concorrer com tampinhas de garrafa costuradas com fio dental, baldinhos de areia espalhados em uma sala, furos na parede e toda sorte de arte conceitual e contemporânea que, sabe Deus, possa aparecer. O triste desses meus colegas de pincel, tinta entre as unhas e noites de insônia e criação (arte não se faz nas horas vagas, isso é hobby – alguns artistas são tão esquisitos que até blogs escrevem de madrugada) é que muitos se desiludem ou passam a vida inteira achando que vão conseguir algum sucesso ou grana apenas sendo artistas. Outros mais “costureiros” tentam, sem muito sucesso, inventar histórias mirabolantes sobre suas obras e até sobre suas vidas (conheço um artista mais de idade que decidiu depois de velho puxar o saco de toda pessoa que ele julga ser importante, seria até engraçado se não fosse tão medíocre). Por fim, existem aqueles que resolvem, como dizemos no jargão da arte, se prostituir e deixar que as tendências do mercado conduzam a sua arte, ignorando a lógica do mesmo mercado que é extremamente restrito e depende muito mais de “quem é você” do que “o que você faz”.
Reafirmo aqui o que disse em um texto anterior, pois como disse Augusto Boal, “A política é a rainha das artes” e mesmo que muitos não carreguem sua arte de algum conteúdo político ou até mesmo social, nenhum artista foge de ter em seu trabalho o reflexo do nosso sistema político, de nossa sociedade e de como ela se organiza. Muitos artistas não se dão conta (e provavelmente morrerão não se dando conta) de que, por mais que se queixem de não ter espaço no tal mercado da arte se submetem as regras dele e acabam mantendo aquilo dizem abominar; isso é uma contradição e em última análise uma burrice sem tamanho.
E para caras como eu, que de tão ignóbeis juram de pés juntos que são artistas, resta fazer arte em praça pública, vender telas por preços baixos, fazer exposições no centro comunitário e na casa de cultura daquela cidade com 1.700 habitantes, chamar mais um bando de desprezíveis como eu para montarmos um grupo e atacarmos o espírito público, sacudir as paredes da normalidade e do senso comum, tentar inutilmente popularizar e democratizar as artes plásticas historicamente elitizadas, sentar o sarrafo na arte conceitual e até chegar aos píncaros da loucura a ponto de escrever um blog para contar tudo isso.
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