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quarta-feira, 13 de maio de 2009
Sérgio Lessa: Para entender a essência do capitalismo
Diante da atual crise, “não há o que fazer, a não ser a revolução”, resume sociólogo ao abrir o curso promovido pelo jornal Brasil de Fato sobre Crise do Capitalismo em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), Departamento de Jornalismo da PUC-SP e pelo CEPIS-Instituto Sedes SapientiaeEduardo Sales de Lima
“Se o István Mészáros estiver certo, e se o Georg Lukács também estiver, a gente vive o desdobramento final de todas as determinações essenciais do modo de produção capitalista”, defende Sérgio Lessa, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e membro da comissão editorial da revista Crítica Marxista, no seminário “O referencial teórico para entender a crise”, ocorrido no Instituto Sedes Sapientiae, na cidade de São Paulo, no dia 29 de abril.
Otimista, Lessa acredita nas novas possibilidades que a atual crise do capitalismo propiciou aos trabalhadores. “A crise é uma relação social”, por isso, segundo ele, o que determina o percurso de uma crise será como a humanidade vai reagir à crise. Abaixo, alguns trechos do seminário, promovido pela Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), Departamento de Jornalismo da PUC-SP e pelo CEPIS-Instituto Sedes Sapientiae, com o apoio do jornal Brasil de Fato e da editora Expressão Popular.
Primórdios
Primeiramente, a gente tem que ir para a revolução neolítica, há 14 mil atrás. Nessa época, quando a humanidade descobre a agricultura, temos uma profunda transformação no trabalho. Com o aparecimento da agricultura, pela primeira vez, o indivíduo produz mais do que precisa. É o chamado trabalho excedente.
Todavia, nesse longo período histórico, que vai de 14 mil anos atrás até a revolução industrial, que começa em 1776 e termina em 1830, o trabalho excedente ainda não é suficiente para atender a todas as necessidades de todos os indivíduos do planeta Terra. Ou seja, não sobra para investir no desenvolvimento das forças produtivas. E o resultado disso é que o único desenvolvimento das forças produtivas possível nessa circunstância é o aumento populacional, aumento a força de trabalho; mas isso é um processo muito lento do ponto de vista histórico.
Sociedade de classes
A sociedade de classes entra nesse longo processo histórico como a forma mais eficiente que a humanidade encontrou para desenvolver as forças produtivas. A sociedade se organiza de tal forma que a maioria da população vai ter o seu trabalho excedente expropriado, roubado pela minoria. O resultado é que essa minoria arrecada tanto recurso, tanta riqueza, que ela não consegue consumir a riqueza que arrecada e, portanto sobra para ela desenvolver os seus negócios.
Mediação
O desenvolvimento das forças produtivas nas sociedades de classes, em linhas gerais, a procura é maior que a oferta. Assim, a tendência é que o preço de determinado produto fique acima do preço de custo, proporcionando o lucro. Essa mediação do mercado (relação mercantil), é historicamente muito adequada para que o período de carência seja superada; não o de miséria.
Pela primeira vez a humanidade produz mais do que ela precisa, de uma forma plena, e sobra para desenvolver as forças produtivas. Pela primeira vez a oferta fica muito maior que a procura. O mercado vai se tornando um mercado saturado, com uma produção maior que a necessidade. E o resultado disso é que pela primeira vez, ao longo da história da humanidade, o mercado não funciona mais como uma mediação adequada para desenvolver as forças produtivas. A mediação do mercado faz com que de tempo em tempo haja uma baita crise que trava a produção. Chega um determinado momento em que a produção não pode continuar aumentando porque os preços não compensam mais. Saímos de um longo período histórico em que as relações mercantis levavam a produção para frente, mas que depois passa a ser travada por crises sucessivas. É o que Marx vai chamar de crises cíclicas.
Revolução industrial
Há evolução histórica que muda de patamar quando se passa pela revolução industrial, ou seja, quando a gente entra no capitalismo industrial, no capitalismo maduro. Antes desse momento histórico, as relações mercantis tinham uma mediação adequada para levar as forças produtivas para frente. Portanto, produzir por lucro e não para atender as necessidades humanas, ou produzir para reproduzir de uma forma ampliada a propriedade privada da classe dominante era o meio mais adequado do ponto de vista histórico para desenvolver as forças produtivas.
Pela primeira vez na humanidade a produção para o lucro passa a ser um entrave às forças produtivas. E só dá para superar esse modo de produção antagônico se o modo de produção capitalista for superado.
Entre o final da revolução industrial (1830) e a grande crise de 1870-71, Karl Marx percebe que o modo de produção capitalista do século 19 só pode se reproduzir aumentando a produção cada vez mais. Ao mesmo tempo, para gerar essa produção cada vez maior tem que desenvolver tecnologia, desenvolver novos métodos de gerência, é necessário fazer cada vez mais investimento para aumentar o lucro de uma forma cada vez menor. A relação entre o que se tira da mais-valia e o que é investido vai fazer com que o investimento vai se tornando cada vez mais pesado. Isso faz com que o lucro da empresa aumente, mas a lucratividade, ou seja, a relação entre o lucro e o investimento vai diminuindo . Isso vai fazer com as empresas tenham uma margem de manobra cada vez menor. Elas vão tendo cada vez menos gordura para queimar e quando chega a crise, essa bate nelas de uma forma muito mais violenta.
Então Marx vai mostrando que o capitalismo do século 19 é composto de crise repetidamente. E essas crises aparecem entre 8 e 12 anos. Quando Marx está dizendo que o capitalismo não pode mais desenvolver as forças produtivas, ele não está dizendo que o capitalismo não pode desenvolver a produção ou a tecnologia. O que são as forças produtivas para o Marx? É a capacidade humana de tirar da natureza aquilo que a humanidade precisa para se reproduzir e quanto maior for essa capacidade significa que menos tempo a gente tem que gastar transformando a natureza e mais tempo a gente pode ser livre dessa relação com a natureza. Portanto, mais tempo a gente pode ser humano. A relação do capital com a humanidade não é uma relação de identidade, é uma relação de alienação.
Se Marx está dizendo que existe uma contradição antagônica entre o desenvolvimento das forças produtivas e o modo de produção capitalista, ele está dizendo que o capital é capaz de controlar a humanidade. Enquanto existir capital, todos nós seremos personificações do capital. Isso está no livro primeira d'O Capital.
Imperialismo
Chegando nos anos de 1870-71, o capitalismo começa a passar por uma transformação importantíssima. Saímos do período do capitalismo concorrencial e entramos para o capitalismo monopolista. São duas diferenças fundamentais. Em primeiro lugar, os grandes monopólios passam a ter uma interferência sobre o Estado qualitativamente diferente do que se tinha antes. Houve uma concentração do capital na esfera econômica que mudou as relações de poder no interior da classe dominante, portanto, as relações da classe dominante com o Estado também se alteram.
Por causa disso começa o “imperialismo”. Claro que o capital já era imperialista antes. Mas a partir de 1870, a política externa dos grandes estados capitalistas está diretamente ditada pelos grandes monopólios e grandes cartéis.
Nos poucos países capitalistas centrais acontece um fenômeno curioso. A generalização da produção industrial vai fazer com que fique mais barato comprar a roupa, o feijão, industrializado, do que ele fazer isso na casa dele. A partir dessa industrialização dos meios de subsistência a burguesia começa a ter lucro por causa do consumo operário. A burguesia passa a ter lucro porque está vendendo os produtos industrializados e porque como a reprodução da vida do trabalhador se torna mais barata, ela pode pagar um salário menor, e com isso aumenta a mais-valia.
Aproximação
Pela primeira vez no modo de produção capitalista passa a ser possível a um setor importante a classe operária negociar com a burguesia um aumento de sua capacidade de consumo e passa a haver, dentro de limites muito estreitos, a possibilidade de uma convergência entre setores da classe operária com a burguesia. Isso possibilita o racha a classe operária nos países capitalistas avançados e com os trabalhadores do resto do mundo.
Estados Unidos
Lentamente o aumento do consumo dos trabalhadores aparece como um fator de crescimento econômico importante nos países capitalistas mais avançados, e o resultado disso é que a gente deixa de ter aquelas crises cíclicas como ocorriam no século 19. Agora, a primeira grande crise do século 20 vai ser administrada com a Primeira Guerra Mundial. A segunda grande crise, que vai acontecer em 1929, vai ser administrada com a ascensão do nazi-fascismo.
Quando está terminando a Segunda Guerra Mundial, a economia capitalista está numa situação dificílima. O grosso da principal economia capitalista mundial está destruída pela guerra. Japão, completamente arrasado. Todos os grandes pólos industriais da Europa, arrasados. Mas os Estados Unidos terminam a Segunda Guerra Mundial produzindo mais da metade da produção industrial do mundo. Com 6% da população mundial, consomem 30% da energia que o mundo consome. Produzem um navio de guerra por dia, um tanque a cada sete minutos. Era uma produção gigantesca. E do dia pra noite a guerra termina em ao tem onde escoar essa produção.
Bem-estar social
Em 1943, depois de Batalha de Stalingrado, quando ficou claro que a Alemanha iria perder a guerra, o governo estadunidense reúne um grupo de pensadores para pensar o que iria ser a economia mundial no período pós-guerra e deste grupo, um cara que vai se tornar chave, o Dan Bright, um liberal clássico, portanto um serviçal do imperialismo.
E ele vai dizer o que o Keynes disse na crise de 1929; que no curto prazo o jeito de superar a crise não era como se fez em 1929, quando as indústrias cortaram a produção e demitiram. Com isso, segundo ele, restringiram o mercado consumidor, gerando mais desemprego, quebrando a indústria, a agricultura,os bancos. Ele vai dizer que tem que se fazer o inverso. Temos que fazer uma política econômica através da qual o Estado intervenha na economia para aumentar o consumo e a gente vai sair da crise de superprodução com a intervenção do Estado para ampliar o consumo.
Isso era politicamente possível porque existia um classe operária dos países capitalistas centrais que desde 1915 vinham desenvolvendo essa política, não mais de confronto, mas de negociação com a burguesia para aumentar o seu poder aquisitivo, é o Estado de bem-estar social.
Do outro lado havia a União Soviética. O projeto bolchevique de uma revolução internacional não dá certo por infinitas razões históricas, não apenas ideológicas. O fato é que, com o passar do tempo, a política externa da União Soviética passa a ser cada vez mais a defesa do Estado soviético. I
Após a Segunda Guerra Mundial passa-se a haver uma negociação cada vez mais intensa entre a União Soviética e os grandes países capitalistas, a política dos partidos comunistas ligados à União Soviética no resto do mundo transformou-se em uma política de negociação e pressão junto aos governos capitalistas e não de confronto para derrubar o capitalismo.
Nesse momento, a social-democracia e o estalinismo, para simplificar, eles convergem no mesmo sentido. O que vai subsistindo é um processo de máquina partidária, de máquina sindical, e um processo de educação do trabalhador durante décadas, na qual a negociação é o principal instrumento dos trabalhadores, e o confronto é sempre parcial, pontual, se tornando, de fato, um acessório da negociação.
Novo Patamar
Quando o estado de bem-estar social, já no final da década de 1960, não consegue consumir a abundância da produção, a crise do modo de produção capitalista entra num novo patamar. A crise não tem fim. Ela se transformou na única forma que o modo de produção capitalista tem de se reproduzir. Num primeiro momento, ela se apropria da riqueza capitalista acumulada sob a forma da propriedade estatal capitalista burguesa; pega essa riqueza e privatiza, ou seja, queima essa riqueza para financiar a crise que está girando, que foi a primeira fase do neoliberalismo. Depois, quando não dá mais conta, a economia começa a viver, de um lado, da especulação financeira, e do outro lado, de bolhas. Na medida em que a especulação financeira deixa de ser uma prática pontual e passa a ser a prática cotidiana de vários grupos capitalistas, um começa a apostar no outro.
Neoliberalismo
Quando da crise do estado de bem-estar social se passou para a crise estrutural, era o momento para a classe operária se lançar às lutas. Defender as suas conquistas, defender o Estado de bem-estar social. Mas por que não fez isso? Porque no período do Estado de bem-estar social não era dela. Nem projeto social democrata e nem o projeto democrático estalinista. Deu no que deu. Os sindicatos sociais democratas viraram as costas. Como o CUT fez aqui quando os petroleiros fizeram a greve contra o governo FHC, em 1995. Ali era o momento de quebrar o (governo) Fernando Henrique. A CUT jogou o papel do neoliberalismo. Por que? Porque é uma estratégia de negociação democrática. Não é um confronto. No momento de crise estamos todos juntos.
Quando vem o neoliberalismo, quando se instala a crise estrutural, a classe operária tem atrás de si uma enorme derrota histórica, porque ela não tem mais nem a ideologia do confronto e nem as organizações que poderiam levá-la ao confronto.
A burguesia consegue, nesse momento de crise estrutural, fazer com a classe operária o que ela quis fazer. Fez a reestruturação produtiva, aumentou barbaramente o desemprego, intensificou a jornada de trabalho. A burguesia voltou a ter em plena crise estrutural uma lucratividade maior que a lucratividade durante o período do bem-estar social. O estudo dele indica que no apogeu do neoliberalismo a lucratividade foi maior que sob o Estado do bem estar social. Foi uma das maiores que a burguesia teve ao longo da sua história.
Não há mais riqueza sob a forma estatal para ser privatizada, para financiar a crise. Jogou a África na miséria, criou pólos de miséria nos próprios países capitalistas centrais, e mais sério que isso: intensificou ainda mais a exploração sobre os países capitalistas periféricos e o resultado disso é que o mercado consumidor desses países se contraiu também. Isso vai fazer com que a gente chegue a um determinado momento que nem as bolhas conseguem mais sobreviver. Aí começa a crise de outubro do ano passado.
Caminhos
Desde a década de 1970, o Istvan Mesários vem dizendo que a humanidade passou para um outro patamar da crise; que esta crise é estrutural e isso significa que a gente já está vivendo um período de transição. Para a burguesia, a crise é algo inevitável, é como se fosse um temporal. Mas a crise é uma relação social. Portanto, quem determina para onde a crise vai é como a humanidade vai reagir à crise.
A saída da crise está na luta de classes. Se o proletariado se mexer e entrar na História como o antagonista do capital, que, de fato é o capitalismo, vai prolongar essa crise “ad infinitum”. Destrói a humanidade. Mas qual o problema do capitalismo, ele não vive de humanidade, ele vive de mais-valia.
Não há política nacional que dê conta do desemprego, não há política nacional que supere o desequilíbrio ecológico, que supere os problemas as desigualdades históricas entre homens e mulheres, que seja capaz de fazer qualquer distribuição de renda, seja ela qual for. Não há o que fazer, a não ser a revolução.
A gente vive um momento histórico que aparentemente é muito fechado, sem perspectivas, mas é o contrário, as possibilidades são infinitas. O proletário tem que assumir a luta aberta contra o capital e portanto, pelo comunismo. Não dá mais para a gente enfrentar esse momento histórico do modo como a gente fazia há dez, vinte anos atrás; ampliar direitos, democratizar o Estado, a sociedade, isso não funciona. A experiência histórica nos demonstra isso. Mas os revolucionários têm que se reciclar, tem que voltar ao Marx, não ficar mais nessa política de curto prazo, de médio prazo. Tem que pensar grande, porque se um revolucionário não pensar grande, quem é que vai pensar?
Fonte: Brasil de Fato
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