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quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Decência Inconstitucional
Decência Inconstitucional
Cristóvão Buarque - JornalO Globo de sábado, 8 de novembro 2008
No ano em que aConstituição Brasileira completa 20 anos, a governadora Yeda Crusius,do Rio Grande do Sul, com apoio de outros quatro governadores,solicitou ao Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucional daLei 11.738/2008. A Lei define o Piso Nacional para os salários dosprofessores e determina que o professor reserve um terço de sua cargade trabalho para atividades de preparação de aulas, estudos,acompanhamento de alunos.
A reação dos governadores écomo se o Presidente de uma Província (como era chamado o governador daépoca) solicitasse, em 1888, a inconstitucionalidade da Lei Áurea, emnome da autonomia dos Estados. Com uma diferença: naquela época, o "governador" teriarazão de se preocupar com a desarticulação da economia e das finançasde sua província, em função da libertação dos escravos de um dia para ooutro. A economia ficaria sem mão-de-obra; seria preciso contratar novos trabalhadores. A Lei Áurea foiuma decisão ética com um custo econômico, no primeiro momento. A Lei do Piso é umadecisão ética, mas sobretudofundamental ao desenvolvimento social e econômico do Brasil.
Os governadores reclamamporque precisam aumentar o piso para apenas R$ 950 e limitar o número de horas deaula a não mais de seis por dia. Salário ainda pequeno e carga horária ainda elevada.
Diferentemente de 1888, ocusto da aplicação da Lei do Piso será escalonado, até 2010, e tanto menor quanto mais altosforem os salários atuais equanto menor for a carga de aula do professor.
Se, no Rio Grande do Sul, aimplantação da lei do Piso exigir gastos educacionais elevados, a governadora Yeda Crusiusdeveria buscar a reorganizaçãodo seu orçamento para atender ao piso de R$ 950 e à carga de seis horas diárias. Se nãofosse possível, seu dever seria liderar o povo gaúcho, especialmente os professores eos pais de alunos, paraexigirem do Governo Federal, como está previsto na própria Lei 11.738, os recursosadicionais necessários. E se não recebesse resposta satisfatória, deveria entregar asescolas do Rio Grande doSul à administração da União, federalizando-as, como se faz com universidades e escolas técnicas.
Isto está acontecendo comos bancos: para salvá-los, os governos centrais estão estatizando-os, diretamente ou de formadisfarçada. Mas parasalvar as escolas, pede-se a inconstitucionalidade da lei. As crianças do Rio Grande do Sul merecem,no mínimo, o mesmo tratamento que os bancos. Se o estado não tivesse recursos, a solução não estariaem considerar inconstitucionaluma determinação que já deveria estar em vigor há décadas. A inconstitucionalidade é umrecurso inadmissível: todos os estados e municípios aceitam o salário mínimo decididopelo governo federal,aceitam pisos para diversas categorias, pagam aos seus deputados e juízes salários definidospor leis federais. Mas quando se trata do professor, recorre-se à autonomia de cadaunidade da federação, comoforma de não cumprir a lei.
No 20º aniversário daConstituição, os governadores desmoralizam a Carta Magna usando-a como barreira paranão atender às necessidades da educação de seus estados. Em nome da autonomiaestadual, tenta-se tirar aobrigação do Brasil de cuidar de suas crianças.
É triste ver que o séculoXXI não chegou para muitos dos líderes nacionais, que não entendem o papel da educação nomundo atual, no qual oprincipal capital é o conhecimento. Isso se explica pelo fato de nós – parlamentares, governadores eprefeitos – termos escolas privadaspara nossos filhos. Por isso, seria tão importante aprovar o Projeto de Lei que está em tramitaçãono Senado e obriga todo eleito a colocar seus filhos na escola dos eleitores: a escolapública. Mas esse projetocertamente será considerado inconstitucional, ainda
durante a tramitação.
Pobre Constituição, na quala decência é considerada inconstitucional.
Fonte: Jornal O Globo desábado, 8 de novembro.
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