Por Joe Nunes
O chamado “Movimento de Inclusão das pessoas com deficiência” no Brasil é o que podemos chamar de, no mínimo, curioso. Desde que comecei a freqüentar as instâncias de discussão desse tal movimento sempre me deparei com várias contradições na concepção político/social que é dada para a luta pela causa das pessoas com deficiência.
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.Posso começar fazendo talvez a pergunta chave e com certeza a raiz dessa contradição: Que causa é essa? Pelo que o movimento de inclusão luta? As respostas que teria da vanguarda desse movimento, composta em sua maioria por pessoas com deficiência, são as mesmas e batidas de sempre: Lutar para que o deficiente tenha acesso à educação especializada, saúde, lazer, cultura e seja de fato incluído na sociedade. Porém, a pergunta correta é outra, não é “pelo que lutamos” e sim “por quem lutamos” e podemos ir mais fundo fazendo a pergunta: “Incluir aonde?”.
Novamente as respostas positivistas (uma tendência crônica dentro desse movimento) são claras: “Lutamos por todos”. Bem, é justamente aí que está o primeiro erro de concepção. O movimento de inclusão das pessoas com deficiência não é um movimento classista e sim um grupo heterogêneo que diz abranger sem discriminação todas as classes sociais, não importa se você é um cego rico ou um cego pobre, o que importa é que você é um cego.
Essa definição bastante rasa e simplória acaba sendo reproduzida por todos que estão de alguma forma ligados a tal luta das pessoas com deficiência. A total falta de formação política daquilo que podemos chamar de “bases” do movimento de inclusão impede que se discutam assuntos que poriam em xeque as premissas positivistas e de fundo totalmente assistencialista desse grupo social em específico. Até hoje, salvo raras exceções, não vi um Conselho dos Direitos das Pessoas com Deficiência ou uma associação de qualquer área das deficiências discutirem problemas sociais como a péssima distribuição de renda ou o aumento do desemprego. Creio que nunca existiu o debate sobre porque, ao invés de debatermos sobre a colocação de rampas para cadeiras de rodas no centro da cidade, não se discute o porquê nas periferias sequer existem calçadas e tampouco que as pessoas mal têm condições de comer dignamente, que dirá ter condições de ter uma cadeira de rodas adequada.
Uma das razões da inércia das pessoas desse grupo social é que elas são as maiores vítimas dos mecanismos de controle da sociedade, criados e impostos pelos governos, como bolsa família e, no caso específico das pessoas com deficiência, o benefício de prestação continuada (BPC). A anestesia social pela qual essas pessoas passam é alarmante, a indústria da miséria que impera no Brasil tem nessa camada da população um farto banquete; são inúmeras Organizações Não Governamentais e Associações lucrando em cima deles, tendo em vista a realidade em que uma pessoa com deficiência pobre vive, onde muitas vezes o BPC e aposentadoria por invalidez são a principal renda de toda uma família. E é nesse contexto propício para o assistencialismo e “coitadismo” que pouco se consegue fazer no que diz respeito a despertar as pessoas para a realidade de exploração e muitas vezes miséria que eles vivem. Tentar fazer com que reajam a isso é praticamente impossível.
Não podemos esquecer que dentro desse pequeno grupo social as realidades do sistema vigente são reproduzidas exatamente da mesma forma. Outro grande fator que demonstra a falta da disputa classista nesse meio é a constante presença de outro meio de anestesia social, que são as igrejas e demais seitas religiosas que se proliferam como câncer na periferia. Por todo um aspecto específico desse grupo de pessoas é mais fácil ainda para as igrejas trazerem para o seu rebanho aqueles com os quais “somente Deus ainda se preocupa”. Não obstante a reprodução do sistema pode também ser vista claramente na existência de uma elite dominante entre as pessoas com deficiência (ou PCD’s, como recentemente trocaram de rótulo, graças a uma das “importantíssimas” ações do movimento de inclusão), um pequeno grupo de deficientes ricos ou de classe média são os que dominam as direções das Federações de Deficientes e outro grupo (indicado pelo primeiro) se dizendo os representantes dos deficientes assumindo cargos políticos com o manjado discurso “deficiente vota em deficiente”.
Assim começamos a deixar mais nítido quais os objetivos do movimento de inclusão das pessoas com deficiência, ou melhor, da elite dominante que obviamente também existe ali. Ainda podemos elencar mais um fator que tem diretamente a ver com a reprodução do sistema, onde as pessoas acabam, por total falta de politização e identidade de classe, delegando poderes a uma pequena vanguarda que, por sua vez, negocia com empresas e órgãos do governo como deverão ser feitas as agendas de controle social e até mesmo a legislação específica para essa área. Um exemplo bastante ilustrativo disso é que o problema da “inclusão da PCD’s no mercado de trabalho” jamais é discutido em um sindicato, por exemplo, mas sim com os próprios empresários ou mediadores como o Sistema S ou FGTAS (aqui no RS). Mais uma vez não se chega ao fundo da questão, fala-se da grande falta de novas vagas para pessoas com deficiência nas empresas como se simplesmente o desemprego fosse um fator isolado, como se somente as PCD’s enfrentassem esse problema que é de toda a classe trabalhadora. Por outro lado as Associações, devido ao fato de não serem classistas, corroboram com isso. Acabam tomando para si o papel de mediar contratações de PCD’s com as empresas, levantando a bandeira das cotas sem sequer discutir em algum minuto sequer se a tal “política da discriminação positiva” é realmente positiva. Esse papel, que muitas vezes parece ser uma tendência de “guetificação”, é assumido de forma até mesmo impositiva pelas associações quando na verdade um trabalhador, deficiente ou não, deve lutar por emprego, melhores condições de trabalho e salário digno em um sindicato. Nesse caso temos um grave problema também por parte dos sindicatos que não estão preparados para receber uma pessoa com deficiência e tampouco se importam em levantar esses questionamentos.
Finalmente chegamos à pergunta “Incluir Aonde?”. O que me leva a pensar o quão perigosa tem se tornada a palavra “inclusão”, ainda mais quando ela vem acompanhada de “na sociedade”. No meu entendimento e baseado em vários anos dentro das instâncias do tal movimento de inclusão a única conclusão a que chego é de que esse movimento não tem princípios reais e sólidos para construir uma mudança social que permita avanços, tendo em vista que todos os sinais indicam que para o tal movimento a sociedade está exatamente como deveria estar, para o mesmo a revolução social não é prioridade, nem mesmo importante. Sendo assim o nome “inclusão social da pessoa com deficiência na sociedade capitalista” se aplica bem melhor.
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Em tempo: Pensei muito antes de publicar esse texto aqui, já que o mesmo, como diria fulton Sheen, ofende os homens porque lhes rouba o bom conceito que têm de si próprios. Entretanto, baseado em minhas experiências em estressar a democracia, acho que está mais do que na hora de alguém ter um contra-ponto dentro desse mar de preconceitos velados e positivismo crônico. Prometo não deletar nenhum comentário esculachando o texto (aliás, vou adorar se eles aparecerem).
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