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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Assembleia Legislativa: espaço público dos grandes temas(*)



A história política rio-grandense é marcada por um par de séculos de disputas com o Império e o poder central e recorrentes embates locais, acerca dos rumos que o Estado deveria seguir.
Nós, gaúchos, com as legítimas e plurais diferenças que nos são singulares, temos uma cultura de autenticidade, de identidades ideológicas e de afirmação da Justiça. Defendemos valores democráticos, reafirmamos o Estado de direito, cultuamos a solidariedade, defendemos a ética na política, propugnamos o bem comum e defendemos a dignidade humana.

Isto é herança da construção da democracia contemporânea, que remonta à Grécia de Aristóteles; à lucidez, à capacidade crítica e ao pressuposto da soberania popular como legado iluminista; a Revolução Farroupilha, que dá nome a este palácio; à Revolução de 30, indiscutivelmente o movimento político mais transcendente de nossa história e, por decorrência, a grande Era Vargas. Reside aí a enorme contribuição dos ideais da identidade republicana gaúcha na formação do pensamento econômico, social, político e cultural brasileiro.

Mas deita também raízes na maior e mais intransigente resistência popular que este Estado já produziu em defesa da ordem constitucional, para que Jango assumisse a presidência do país, que foi o grande movimento democrático e, porque não, épico em defesa da Legalidade, em 1961.

Também remonta à resistência aos anos de chumbo, à luta pela anistia, pelos direitos humanos e à redemocratização. A luta de uma geração que, sem rancor e sem ressentimentos, chegou ao poder e a duras penas foi protagonista da reconstrução da democracia, aprendendo e vivenciando o valor universal que ela tem.

Remete ao contraponto do caminho único neoliberal excludente, baseado na financeirização, onde sempre, nós gaúchos, buscamos alternativas inclusivas, a exemplo de quando Porto Alegre e nosso Estado acolheram o Fórum Social Mundial e desfraldaram a bandeira de que “um novo mundo seria possível”.

E como não poderia ser diferente, remete ainda a este momento singular em que vivemos, onde o Brasil retoma seu crescimento e desenvolvimento, gera emprego e renda, implementa fortes e necessárias políticas de inclusão e sustentabilidade, recupera funções públicas de Estado e se afirma do ponto de vista soberano na mundialização. E, pela primeira vez na história, tem uma mulher como presidenta, a nossa companheira Dilma que possui profundo vínculo com o nosso Estado, nosso povo e com esta Casa. É relevante lembrarmos que Dilma atuou aqui neste espaço como assessora do trabalhismo em plena campanha da Anistia e na luta pela redemocratização no final da década de 70. Tudo isto exige dos gaúchos um grande esforço para recolocar o Rio Grande do Sul na posição estratégica, que já ocupou outrora, mas que precisa recuperar no novo concerto federativo brasileiro que emerge da “Era Lula”.

Sei que estamos sendo investidos a assumir a presidência de um poder que se funde e se confunde com esta história. Uma instituição que nos seus grandes momentos converteu-se num extraordinário anteparo moral e ético para seu povo e foi ao mesmo tempo uma trincheira na proteção dos seus mais altos valores, na luta pela democracia e pelas liberdades.

Sei que vamos presidir um Parlamento, prezados futuros presidentes deputados Postal, Westphalen e Sossella, cujos primeiros debates remontam aos farrapos. Onde expressões públicas que marcaram época, cada uma ao seu tempo, deixaram legados que estão por nos orientar e nos iluminar.

Sei que vamos comandar um poder que alcançou tamanho e notoriedade, porque sempre que foi exigido, pautou-se por posições firmes, por destemor frente às ameaças, por fundamentos consistentes e pelo denodo inquebrantável das convicções dos que por aqui passaram.

Sabemos que o nó a desatar no âmbito do sistema democrático ou a busca da saída do complexo labirinto da representação no nosso tempo está intimamente associado à legitimidade que adquirem, ou não, as relações representante-representado. Tanto do ponto de vista da aproximação com a sociedade, quanto da resposta qualificada e relevante que é dada para os cidadãos e cidadãs.

Assumimos num momento em que a Constituição e os próprios parlamentos contribuíram para reduzir seu papel: seja a meros homologadores dos Executivos, seja ao outro extremo de tentar interditá-los. Ou até mesmo, como muitas vezes ocorre, de substituir o Parlamento na sua essência da ação política pela judicialização dela. E suas prerrogativas de fiscalização, anteriormente exclusivas, foram sendo assumidas, ainda que legitimamente, pelos tribunais de contas, ministérios públicos e outros órgãos de controle e mesmo de investigação.

Sabemos que hoje, associado aos limites e as dificuldades que a representação vive, existe uma dinâmica subliminar de desconstituição da política e, por decorrência, da esfera pública. Ora nem tão ingênuas, ora deliberadas, são tentativas de desmoralização da representação. Isto fragiliza a democracia e reforça a despolitização da política. Aqui não vai nenhuma tentativa de interditar críticas, ao contrário, para quem sempre lutou pelas liberdades de expressão e de opinião, a censura de qualquer tipo é inaceitável. Esperamos não volte nunca mais, como aconteceu outrora, onde este Parlamento resistiu e se debelou contra ela.

Aliás, foi nestas condições que conheci esta Casa, na consentida eleição ao Senado em 74 e 76 para Vereador. Guardo vivo em minha memória os momentos de acolhimento que ela dava às prodígias ideias de uma geração que nascia amordaçada. Porque lutava por paz, democracia e liberdade. E cobrava dos aparelhos repressivos o desaparecimento de Luis Eurico Tejera Lisboa e se mobilizava forte pela volta dos “três Flávio(a)s”: Flávia Schilling, Koutzii e Tavares. Cito aqui dois amigos e companheiros que não estão mais entre nós, o Zezinho Oliveira e o Marcos Klassmann, para estender e homenagear toda esta brava e combativa geração que tive a honra de conviver e compartilhar.

Temos presente, Governador Tarso Genro, que presidiremos esta Casa, no exato momento em que V. Excia. assume a enorme tarefa de sintonizar o Rio Grande com o Brasil. Não poderia ser diferente, nos postaremos com a independência e a autonomia que nossa carta máxima requer, mas com a harmonia, o denodo, a responsabilidade e os compromissos que, tenho certeza, o povo gaúcho espera da representação que nos delegou.

Temos consciência que comandar este Parlamento é enfrentar dissensos, conflitos e contenciosos, inerentes a sua plural natureza. Entretanto isto não pode ser problema. Aqui, ao contrário, de forma respeitosa e pacienciosa, vamos confrontar opiniões e posições e resolvê-las em bases argumentativas qualificadas, capazes de partir de posições antagônicas e produzirem sínteses urgentes e necessárias de políticas públicas para o Rio Grande.

Sabemos que vivemos um tempo em que da mesma forma que a democracia é desafiada a se atualizar, a representação também o é. Um mandato parlamentar não pode mais apenas se considerar detentor de uma delegação a ser renovada periodicamente pelo calendário eleitoral. A sua legitimidade será tanto maior quanto mais ele se aproximar e compartilhar através do diálogo, da inspiração e de propostas com os seus representados e sobretudo com a sociedade. Este é um elemento decisivo para o resgate da política e de valorização das instituições democráticas.

O Parlamento precisa compreender que um passo adiante se faz necessário. Que o Brasil e o Rio Grande nos desafiam para que reconquistemos o apreço de nossos cidadãos. Para a superação da cultura autoritária, pressupõe-se a defesa permanente de nossa jovem democracia, que tem menos de uma geração a construí-la. No entanto, é fundamental que identifiquemos que nossa história política também é marcada pela exclusão social. E que a ação parlamentar e institucional tem que estar no centro desta superação. As bandeiras e as propostas para remover a exclusão, Sras. e Srs. deputado(a)s, devem ser encaradas como  indissociáveis da ação parlamentar. Isto confere um caráter substantivo à nossa democracia.

Sabemos que vivemos um tempo em que a frase do sociólogo Manuel Castells, grande estudioso das relações da comunicação com a política e seus efeitos na era moderna, sintetiza de forma lapidar: “nunca mais os governos, instituições, corporações, empresas, entidades etc., poderão estar seguros de manter seus cidadãos na ignorância de suas manobras”. A informação e a comunicação, num tempo de revolução digital, transformam profundamente o mundo em que vivemos, tendo enorme impacto na política e nas relações em sociedade, principalmente com o surgimento das novas mídias.      

Temos convicção, Sr. Governador, que assumimos num momento em que o Estado “está maduro para dar um salto afirmativo na sua cultura política”, como enunciou V. Excia. na sua posse ao conjunto das forças políticas gaúchas, sem que isto agrida as identidades político-partidárias ou descaracterize as especificidades de cada poder.

Por isto as experiências participativas, ao oferecerem espaços de discussão e diálogo para os diferentes setores da sociedade, fortalecem a representação. Posto que as diretrizes gerais debatidas e deliberadas nessas instâncias precisam do Legislativo para ganharem a força de lei e se realizarem como avanços democráticos duradouros. Tenho convicção que o debate qualificado, mediado pelo interesse público, no qual todos os contendores legítimos que disputam opinião na sociedade tenham oportunidade de apresentar suas razões, por si só desafia o mito de que a participação e a representação são conceitos antagônicos. Ao contrário, a participação robustece a representação e, por conseguinte, a democracia. Uma e outra podem e devem interagir de forma virtuosa.

É neste contexto que a combinação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social com o Parlamento pode reforçar ambos. O primeiro, como órgão de governo, de assessoramento imediato do Governador, formado por V. Excia a partir do legítimo resultado que as urnas lhe conferiram. O segundo, como sistema representativo de Estado universal, que expressa a totalidade das sensibilidades político-ideológicas, indispensáveis para a construção e consolidação da democracia e, sobretudo, para adquirir a necessária legitimação de suas ações. É assim que a representação que nos é delegada adquire grandeza frente à sociedade e reconquista a relevância que cada momento histórico exige.

Assumimos num destes momentos exigentes em que as melhores tradições de nosso povo necessitam servir de amálgama para a construção de um projeto capaz de alçar nosso Estado a um patamar político, social, cultural, econômico e administrativo que lhe é de justiça.

Peço a compreensão, a colaboração e o apoio de meus pares da mesa que ora assumem esta casa, dos líderes de bancadas e do conjunto do Parlamento gaúcho para que sejamos solidários e parceiros na ressignificação deste fundamental Espaço Público, que é o Parlamento, recuperando e atualizando seu papel frente às tarefas imediatas e de futuro do Estado. Posso afirmar aqui que este pacto de valorização do Legislativo Gaúcho já está acordado com os próximos presidentes da Assembleia.

Por sua natureza e pluralidade, pela convivência permanente do contraditório e pela coexistência de todas as ideias e credos, cabe a nós captarmos e fazermos dele o espaço político institucional dos temas fundantes do Estado. Superando ações que pareçam particularistas e fragmentadas, que levam a sociedade a ter uma opinião simplificada e reduzida das funções e da ação parlamentar.

Quero pois, então, dirigir-me aos deputado(a)s, aos partidos, às bancadas, aos demais poderes, aos movimentos sociais de trabalhadores e empresários da cidade e do campo, às mulheres, à juventude, à terceira idade, aos negros, à intelectualidade, aos ambientalistas, ao movimento comunitário, às populações mais vulneráveis, enfim, a todos os gaúchos, para que soldemos dois compromissos que julgo fundamentais para o futuro do nosso Parlamento e, por decorrência, para a democracia e para o Estado.

Um de conteúdo, outro de forma, mas do ponto de vista do método, inseparáveis:

     O primeiro deles é político. Para que esta Casa retome o papel e as funções de ser o Espaço Público por excelência dos grandes debates e grandes temas que dizem respeito à sociedade gaúcha, sem interdição, buscando totalizar desde as questões mais imediatas e, portanto, mais sentidas pelo nosso mais simples cidadão, até aquelas que dão sentido e perspectiva de futuro para o Estado gaúcho. Que criem as condições para que possamos nos reinserir, com um papel central, como já o fizemos outrora, agora no novo concerto federativo que emerge da “Era Lula”.

Construindo junto com todos estes atores uma agenda que combine o presente com a visão de longo prazo. Combine ousadia que o momento determina, com a capacidade de planejamento que exigem as percepções inovadoras e modernas de ação parlamentar e de gestão pública. Aprofundando a abertura do parlamento para a sociedade, dando ao processo representativo a necessária e permanente legitimidade. Abrindo-se enquanto Espaço Público para a participação direta, não só para ouvir, mas um convite ao protagonismo. Isto só confere à representação uma credibilidade que, por si só, ela não adquiriria.

A decorrência é o fortalecimento da democracia representativa, que construída pelo voto universal, vê calçada a possibilidade da universalização das necessárias demandas sociais. E, creditando ao Parlamento, o sentido estratégico próprio de suas reais realizações.

É momento do Parlamento pensar e se repensar,  comprometer-se com o Rio Grande por inteiro, Sr. Governador, principalmente quando esta Casa, junto com os demais poderes e a sociedade, tem um diagnóstico comum das dificuldades e  limites do Estado.

Portanto, conclamo aos meus pares que toda nossa estrutura, das comissões de mérito ao plenário, dos grupos de trabalho às sub-comissões, dos seminários aos debates, do fórum democrático às comissões transitórias, da mesa diretiva aos gabinetes do(a)s deputado(a)s, todos estes espaços devem estar abertos e a serviço de uma grande pauta com temas inadiáveis.

Que parta da valorização das funções democráticas das instituições e através do diálogo permanente aprofunde o debate sobre qual é de fato nossa visão das funções públicas de Estado. Qual o desenvolvimento com sustentabilidade que o RS necessita? Que enfrente o tema da miséria, desenvolvendo fortes iniciativas de inclusão social e tenha na inovação um eixo irrenunciável por onde passam hoje as melhores práticas das políticas e de gestões modernas.

Tudo isto como suporte para dar sentido às demandas mais imediatas e estratégicas para o Rio Grande. Um projeto, portanto, para a instituição e não para o seu presidente. Neste sentido, explicito alguns temas, sem prejuízo de outros, que consideramos imprescindíveis de serem debatidos com profundidade:

- O enfrentamento da erradicação da pobreza no RS;
- O desenvolvimento regional sustentável que o RS requer;
- A infraestrurura e logística que o RS necessita;
- Prevenção aos fenômenos (des)naturais e os efeitos climáticos;
- Educação para todos e a inclusão digital;
- O SUS: qualificação do atendimento e  financiamento;
- A segurança alimentar como direito: da produção à comercialização e ao consumidor;
- Que modelo de Segurança Pública queremos;
- 50 anos da Legalidade: democracia, reforma política e papel
  dos legislativos;

     O segundo compromisso é de gestão, para superar uma dificuldade que a correta alternância democrática dos presidentes, mesmo que não deliberada enseja, a perda de continuidade administrativa. Criando um comitê gestor permanente para toda a Legislatura, que trate dos temas centrais da administração da Casa, cujas tarefas são:

- Junto com a 1ª secretaria, separar bem as questões de ordem
   política das de gestão;
- Consolidar e implementar um novo plano diretor da Casa;
- Democratizar, renovar e inovar o processo legislativo do
   Parlamento gaúcho e regimento interno;
- Estudar as alternativas para superar as limitações do ato de
  legislar;
- Fortalecer as dinâmicas de comissões e debates de plenário, do
  ponto de vista do processo legislativo;
- Compatibilizar as agendas das comissões e das
  audiências públicas com a agenda da presidência e da mesa da 
  Casa, também do ponto de vista do processo legislativo;
- Implantar a TV digital em canal aberto;
- Qualificação dos servidores e consolidação do Plano de Carreira;
- Antecipação e acompanhamento das licitações e prestações de serviços;
 
Sras. e Srs., Sr. Governador, expusemos aqui, ainda que de forma inicial, as linhas gerais de um projeto de fortalecimento da instituição Parlamento gaúcho e de recuperação de sua legitimidade junto à sociedade, que é quem lhe confere a real delegação que tem.
Conclamo aos meus colegas, que assumem a mesa comigo hoje, a coordenarmos este processo. Conclamo às comissões, peço empenho ao Fórum Democrático e a todos os demais Espaços Públicos desta casa, para que funcionemos de forma articulada, implementando esta agenda comum.

Conclamo aos meus colegas deputado(a)s para compartilharmos juntos esta caminhada, pois tenho certeza que suas pautas específicas ganharão mais alcance e mais dimensão, se tivermos um Parlamento forte, respeitado socialmente e legitimado nas suas ações. E conclamo também aos partidos, às bancadas, aos legítimos blocos de situação e oposição, aos nossos servidores e às entidades da sociedade para assumirmos juntos este enorme desafio.

Sras. e Srs., Sr. Governador, colegas deputado(a)s, o Parlamento gaúcho, por onde passaram líderes farroupilhas, por onde passou um ex-presidente de nosso país e teve como assessora nossa hoje presidenta, que esteve ao lado do movimento épico da Legalidade, que resistiu aos anos de chumbo, que foi fundamental na redemocratização e que agora está frente a um momento de sintonizar o RS com o Brasil e superar as mazelas de uma sociedade ainda excludente. Vai, tenho certeza, a um só tempo, ter humildade e ter grandeza para ressignificar o seu papel e recuperar a condição que teve outrora, de um Espaço Público permanente de grandes debates, grandes discussões, de mediação política e, sobretudo, de capacidade resolutiva.
O nosso parlamento não faltará ao Rio Grande e nem ao povo gaúcho!



Muito obrigado !!                                                              

Adão Villaverde
  31 de Jan 2011




(*) Discurso de posse à Presidência da AL/RS   

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