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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

“Fortalecer as relações e a integração Sul-Sul é a melhor resposta à crise do imperialismo e do neocolonialismo”

Renomado geógrafo camaronês, Bernard Founou defende no Fórum Social Mundial unidade Brasil-África

Escrito por: Leonardo Severo, de Dakar-Senegal

 
Bernard Founou, senador Inácio Arruda, ministro Gilberto Carvalho e João Felício (CUT), no debate
Bernard Founou, senador Inácio Arruda, ministro Gilberto Carvalho e João Felício (CUT), no debate
“Fortalecer as relações e a integração Sul-Sul é a melhor resposta à crise do imperialismo e do neocolonialismo. Enquanto o interesse das grandes potências coloniais, como os EUA, está voltado para buscar recursos naturais, mercados para seus produtos e locais para instalar bases militares, explorando países e povos, nossa intenção é de construir relações de colaboração e cooperação. Brasil e África precisam cada vez mais criar pontos de convergência para que EUA e Europa não joguem sobre os nossos ombros o peso da sua crise, a conta da globalização neoliberal”.






Com estas palavras, o professor camaronense Bernard Founou, especializado em geografia econômica e agricultura, abriu o debate “´Relação Brasil-África: balanço e desafio”, na Place Du Souvenir, em Dakar. O diálogo faz parte da programação do Fórum Social Mundial (FSM), que acontece no Senegal até a próxima sexta-feira, e contou com a participação do ministro chefe da Secretaria-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e do senador Inácio Arruda. O secretário de Relações Internacionais da CUT, João Antonio Felício; o representante da CUT no Conselho Internacional do FSM, Rogério Pantoja; e o dirigente da Executiva da CUT e tesoureiro da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Antonio Lisboa, acompanharam a atividade ao lado de dirigentes da Apeoesp e do Sinpro de Brasília.
COMPROMISSO DE LONGA DATA
Founou trabalha no Senegal há 30 anos, integrou o Instituto Africano de Planejamento e atualmente contribui com o Fórum do Terceiro Mundo – entidade concebida em 1973, no Chile, durante o governo do presidente Salvador Allende – ao lado do renomado intelectual e economista egípcio Samir Amin. “O Fórum do Terceiro Mundo foi a primeira organização que, na África, pensava o planeta com uma visão voltada para o Sul”, explicou.
Rogério Pantoja e Antonio Lisboa em frente ao momumento inclinado em direção às Américas
Rogério Pantoja e Antonio Lisboa em frente ao momumento inclinado em direção às Américas
Passadas quase quatro décadas, refletiu Bernard Founou, as ações do imperialismo e do neocolonialimo até podem mudar de forma, mas os objetivos, no fundamental, permanecem os mesmos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Depois que conseguimos a independência, e já lá se vão 50 anos, pensávamos que os Estados Unidos iriam mudar, mas continuam tentando jogar o peso das suas próprias crises para os países mais fracos”,  denunciou, destacando a necessidade de uma maior articulação entre os governos e movimentos sociais do Sul para consolidar uma nova postura de enfrentamento à lógica de rapina dos que detém o capital e manipulam a seu bel prazer o sistema financeiro internacional. O fato, enfatizou, “é que para eles, se o continente africano desaparecesse não teria importância nenhuma, pois não representamos nem 2% do comércio mundial. Eles reduzem seres humanos a um percentual do comércio”. Segundo Founou, “quer eles queiram ou não, Brasil e África precisam e vão ter relações especiais, pois está aberto um período de grande esperança”.
O ministro Gilberto Carvalho reiterou que há uma compreensão e um compromisso do governo brasileiro em “saldar com a África uma dívida ética e moral impagável, por meio de uma relação mais intensa e que seja a mais  fraterna possível’. No “boom do neoliberalismo”, acrescentou, “a África estava sobrando e o continente era considerado perdido, tamanho o nível da desumanidade”. O erro grosseiro de avaliação, ironizou, está sendo demonstrado pela experiência dinâmica da população que ocupa as ruas da Tunísia e do Egito, com movimentos admiráveis pela democracia.
Para o secretário geral da Presidência, boa parte da culpa dos problemas do continente tem sua origem no “velho modelo de financiar as elites locais, que fracassou, pois agravou o nível das desigualdades”. O novo modelo que queremos construir, assinalou, “é de respeito à autonomia, é de estímulo ao domínio da tecnologia pelos próprios africanos”, a fim de que possam, cada vez mais, agir com independência.
CUT DÁ EXEMPLO
Na avaliação de Gilberto Carvalho, a CUT deu exemplo, não só ao lançar uma cartilha de combate à discriminação na Mansão dos Escravos, na Ilha de Gorée, durante o Fórum Social Mundial, mas ao colocar o tema da integração com os países e povos africanos nas comemorações do Primeiro de Maio, Dia Internacional do Trabalhador, em São Paulo. “Também temos de olhar para as nossas raízes, pois muito do que temos de melhor enquanto povo recebemos dos africanos: nossa alegria, nossa beleza, o ritmo das nossas músicas”.
O ministro lembrou que, com esta compreensão, o ex-presidente Lula fez 11 viagens para o continente africano, visitando 29 países, onde abriu 19 novas embaixadas, ampliando os laços culturais, econômicos e políticos, para que não fossem apenas episódicos. Entre os muitos exemplos a serem citados com orgulho, informou, está o trabalho desenvolvido deste outro lado do Atlântico pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), com sede em Gana. Diante da identidade de clima e de solo entre a savana e o serrado, explicou, a Embrapa está trabalhando a transferência de tecnologia para que os governos possam investir na agricultura da mesma forma como o Brasil fez no serrado “e daí matar a fome do continente”. Igualmente, o governo brasileiro está oferecendo suporte técnico para a agricultura familiar, a fim de que sejam implementados programas como o que estabelece a compra direta da merenda escolar de pequenos produtores.
O senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) lembrou que os mesmos que lucraram durante os séculos de opressão e “genocídio do povo africano” vêm agora dizer que investir na África é perda de tempo – e de dinheiro. A visão mercadológica e preconceituosa, condenou, tem sido repetida à exaustão pela velha oligarquia. Citando um diálogo entre o libertador Simon Bolívar e o general brasileiro Abreu e Lima, de que o Brasil pela sua dimensão e unidade territorial – embora ainda monárquico - era “um seguro para as repúblicas então nascentes na América Latina”, Inácio Arruda disse que, passados duzentos anos daquela gesta histórica da independência do jugo europeu, hoje o Brasil será a mão segura da solidariedade à África, em apoio ao nascimento de novas relações de justiça entre os nossos povos.
Conforme Rogério Pantoja, “o debate foi extremamente rico e esclarecedor, apontando iniciativas de integração importantes que vêm sendo desenvolvidas pelo governo federal, como a criação de uma universidade pública para receber brasileiros e africanos em Redenção, cidade cearense que foi a primeira a abolir a escravidão”. Ao silenciar sobre ações de tamanha envergadura e repercussão, lembrou Pantoja, “a grande mídia passa recibo da sua visão preconceituosa, da sua aversão a toda e qualquer iniciativa que vise resgatar a dignidade e melhorar as condições de vida e trabalho de um povo a quem devemos tanto”.
O debate organizado pelas Fundações Perseu Abramo e Maurício Grabois, avaliou João Felício, além de contribuir para dar a dimensão do novo patamar em que se está construindo a integração Brasil-África, aponta para a importância do movimento sindical estar mais presente, somando sua experiência de organização e mobilização. Além de estreitar ainda mais os laços com os movimentos sociais para respaldar e potencializar estas iniciativas, ressaltou, precisamos dialogar para propor muitas outras, “contribuindo para a superação das imensas desigualdades e dificuldades que enfrenta o continente, particularmente no que diz respeito a empregos formais, salários e direitos”.

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