Produção cultural, eventos e festivais de música. Planejamento Estratégico e Operacional, Formação política, para sindicatos e ONGs

sexta-feira, 6 de maio de 2011

“Contra agressão e pilhagem neocolonial, precisamos que o Brasil reconheça a República Saaráui”

Em visita à CUT, embaixador Hamdi Bueha denuncia Marrocos por ocupação ilegal e violência

Escrito por: Leonardo Wexell Severo


Hamdi Bueha, embaixador - em missão - da República Saaráui no Brasil
Hamdi Bueha, embaixador - em missão - da República Saaráui no Brasil
Em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, o embaixador – em Missão - da República Saaráui no Brasil, Hamdi Bueha, denuncia a extrema opressão e a violência de 35 anos de ocupação ilegal do Marrocos sobre seu país, a política de dois pesos e duas medidas da ONU e das grandes potências contra os mais fracos, e o bloqueio informativo mantido pela mídia internacional, que invisibiliza a luta de libertação nacional pela descolonização.



 O senhor se apresentou como embaixador em Missão no Brasil, o que isso significa?




Significa que embora o parlamento brasileiro tenha aprovado resoluções de apoio à causa saaráui e o governo já tenha reconhecido a Frente Polisário como movimento de libertação nacional, ainda não temos o reconhecimento formal pelo Brasil da República Saaráui. Nossa visita à Central Única dos Trabalhadores (CUT), a quem nos unem laços históricos de solidariedade, se deve precisamente à necessidade de que neste momento haja maior sensibilização do governo brasileiro, a partir dos movimentos sindical e social, dos partidos progressistas, para que se faça justiça e tenhamos, finalmente, os nossos legítimos direitos reconhecidos. Esperamos que este “em missão” dure muito pouco tempo. Já temos o reconhecimento de 78 países, entre os quais todos da América Central, do México, do Grupo Andino, da Venezuela, Cuba e, mais recentemente, do Uruguai.
É uma causa justa, com forte apelo, que vai ampliando apoios à medida em que se conhece mais a fundo as condições subumanas a que o povo saaráui vem sendo submetido.
Temos a aceitação e o apoio de todas as instituições e organismos internacionais em favor da nossa independência, do direito à autodeterminação e da legitimidade da Frente Polisário como movimento de libertação nacional. É um conflito que se arrasta há 35 anos, onde são negados ao nosso povo direitos humanos básicos. Somos pouco mais de um milhão em território saaráui, enquanto temos outros 260 mil que foram obrigados a abandonar o seu território, suas casas e terras, suas famílias e amigos, para viverem exilados no calor do deserto, sobrevivendo da ajuda internacional.
E qual tem sido a atuação da ONU e de sua missão de paz no território saaráui, a Minurso?
As tropas da ONU controlam o cessar-fogo com o Marrocos há duas décadas. Dentro da política de dois pesos e duas medidas, não fazem nada em relação à repressão, aos reiterados abusos contra os direitos humanos, aos desaparecimentos e torturas. Diferente do caso líbio onde em questão de horas, respondendo a potências como a França, que tem interesses geopolíticos na agressão, se posicionou contra o governo de Kadafi. O Conselho de Segurança alega não ter mecanismos de pressão em favor do nosso povo. Não podemos esperar mais.
Qual a saída?
O problema pode terminar num único dia. A via mais rápida e menos custosa para o Marrocos acabar com este conflito de 35 anos é convocar um referendo onde o povo saaráui possa se manifestar por meio de eleições livres. Somos um país, não uma colônia. Assim nos vemos, sentimos e nos posicionamos, como bem o demonstram estes longos anos de luta pela libertação. Infelizmente, enquanto se mantém a ocupação, continuaremos submetidos à pilhagem das nossas riquezas e à miséria. Nossa terra é rica, mas nosso povo é pobre.
Como se dá esta pilhagem?
Nosso país é rico em fosfato e pescado, mas dizemos que do fosfato só vemos a poeira e do pescado só o cheiro, pois tudo nos é tirado. São imensos caminhões frigoríficos que levam nosso pescado, diariamente, à Espanha. Há um saque permanente das nossas riquezas, enquanto somos submetidos a condições precárias, terríveis. Há restrições até mesmo à ajuda humanitária, que é o que praticamente nos mantêm vivos.
E o bloqueio informativo...
O bloqueio informativo da mídia internacional só foi rompido pela luta armada que sustentamos durante anos contra o governo marroquino, pelo calor dos combates. Depois disso, os meios de comunicação, controlados pelas grandes potências, tudo fazem para ocultar e mandar para o esquecimento os fatos, pois esta é uma agenda que não lhes interessa. Atuam como se nada estivesse acontecendo, como se desconhecessem os protestos quase semanais que acontecem contra a manutenção desta ordem neocolonial. No caso da imprensa marroquina, quando houve uma pequena abertura nos últimos três anos, começaram a sair publicações em prol da causa saaráui, questionamentos à situação vigente. O resultado é que foram fechados todos esses jornais críticos ao regime. Daí a importância desta visita e de informarmos o que, realmente, está se passando em nosso país.
Quais os próximos passos desta luta pela emancipação?
É muito importante que todas as forças progressistas estejam unidas em favor da democracia, da justiça e da paz. São valores que os saaráuis prezam muito, mas que vêm sendo negados pela ocupação neocolonial. A mesma França que lidera a agressão à Líbia foi a que financiou na Tunísia o ditador Ben Ali, e que trata o Marrocos como seu quintal. Se há 35 anos resistimos nas piores condições possíveis e imagináveis é porque há um forte apego ao sentimento nacional. É esta identidade que alimenta e fortalece nossas raízes, sem o que não teríamos conseguido sobreviver, nem conseguiríamos seguir adiante. Contamos com o apoio do Brasil para emancipar o nosso país e libertar o nosso povo do jugo neocolonial.

Nenhum comentário:

Postar um comentário