No atual momento, o melhor apoio possível ao terceiro mandato presidencial passa pelo resgaste ideológico e programático do PT. Nessa etapa de profundas transformações na ordem global e nacional o PT precisa pensar a si próprio e ao Brasil de forma estratégica e no longo-prazo.
William Nozaki
Pragmatismo e programa
O PT passa, atualmente, por um momento decisivo de sua trajetória como partido transformador.
Historicamente, o PT emergiu como força de oposição ao autoritarismo brasileiro e ao totalitarismo internacional, combinando as ideias e ações de trabalhadores organizados, movimentos sociais, comunidades eclesiais de base, militantes de esquerda e intelectuais.
Diante da reunião desse amplo leque de forças progressistas, o PT construiu-se como um partido com fortes relações com os movimentos sociais e com um forte impulso para a construção de uma pauta político-eleitoral transformadora. Dessa forma, a tensão e as contradições entre a possibilidade de transformação da sociedade e a necessidade do acesso ao Estado para realizá-las estão inscritas na gênese do Partido. Os desafios engendrados por essa combinação ambígua foram se clarificando, sobretudo, a partir da última década.
A chegada ao poder, em âmbito federal, canalizou os esforços e as ações do Partido para as tarefas, legítimas, de defesa do governo e de execução das funções de Estado. Mas, essa mesma chegada ao poder, explicitou os impasses relativos à como se deve ocupar o Estado que se pretende transformar.
Por um lado, essa nova etapa trouxe resultados incontestavelmente positivos: o reconhecimento do projeto petista como uma experiência fundamental para a esquerda nacional e internacional em crise; a construção de dois mandatos presidenciais sólidos que realmente alteraram os padrões de crescimento, desenvolvimento, inserção externa e democratização da sociedade brasileira, donde sua ampla aprovação pela população com garantia de continuidade pelo Partido em um terceiro mandato presidencial; além da consagração de uma liderança política com projeção nacional e internacional; para não mencionar o peso simbólico das eleições de um operário e de uma mulher para o cargo máximo da República.
Mas, por outro lado, essa nova fase apresentou contradições importantes com as quais o Partido teve que se defrontar: o financiamento inadequado, quando não ilícito, de campanhas eleitorais; a composição de coligações partidárias ancoradas no estrito pragmatismo e em algumas vezes pouco afeitas ao projeto transformador do partido; a imbricação entre enriquecimento privado e privilégios públicos de algumas figuras; além da adesão ou do recuo, em certos momentos e em determinados setores, em favor de pautas de políticas econômicas avizinhadas de princípios liberais.
As novas responsabilidades relacionadas à transformação do PT de força de oposição em força de governo impuseram ao Partido duas tarefas de difícil, mas necessária, compatibilização: a função de formular um projeto programático pautado pelo princípio da promoção da igualdade, tarefa que envolve reorientar e relembrar constantemente ao governo para onde deve se guiar sua ação transformadora; e a função de implementar um conjunto de políticas que sejam capazes de atender àqueles princípios levando adiante um projeto de desenvolvimento, tarefa que envolve defender e resguardar o governo de forças oposicionistas ou aliadas que podem descaracterizá-lo.
Oportunidades
Ao longo dos dois mandatos do Presidente Lula, o Partido vivenciou o difícil equilíbrio entre essas duas funções. Nesse primeiro mandato da Presidente Dilma, o Partido pode e deve repensar os métodos de combinação dessa dupla-tarefa. Pois, no atual momento, o melhor apoio possível ao terceiro mandato presidencial passa pelo resgaste ideológico e programático do PT. Nessa etapa de profundas transformações na ordem global e nacional o PT precisa pensar a si próprio e ao Brasil de forma estratégica e no longo-prazo.
Esse é um passo necessário para o Partido reafirmar seu projeto hegemônico em um cenário no qual a ordem econômico-financeira passa por profundas mudanças, deixando, inclusive, seu eco indireto sobre o quadro partidário brasileiro. Afinal, destituído de seu receituário liberal, os setores conservadores da sociedade brasileira tem passado por uma crise de idéias, de liderança e de projeto, que tem contribuído para sua fragmentação. Entretanto, a despeito das sucessivas derrotas eleitorais do projeto neoliberal, os setores de centro e direita continuam apresentando-o como um caminho viável, em discursos e iniciativas que partem tanto da oposição quanto de certos setores aliados.
Nesse momento, é fundamental que o PT reassuma seu papel de principal partido socialista democrático da esquerda. Isso significa que o Partido tem a responsabilidade de oxigenar e superar o pensamento burocrático em benefício de um pensamento estratégico que seja capaz de repensar, não apenas de forma retórica e sim de modo efetivo, qual projeto ideológico e programático pode ocupar o espaço aberto pela crise econômico-financeira internacional e pela mudança partidário-ideológica nacional.
Em outras palavras, trata-se de da difícil tarefa de conviver com o pragmatismo de Estado e com a promoção de reformas sem perder de vista o sentido e o significado transformador e emancipador que deve informar ambos: a luta pela igualdade.
Desafios
Nesse sentido, é fundamental que o Partido realize dois movimentos a fim de reavivar sua identidade programática e ideológica:
(1) É fundamental que se realize um balanço crítico dos dois mandatos do governo Lula, através de um confronto entre os conteúdos programáticos construídos historicamente pelo PT e as realizações empreendidas pelo governo e pela coalização que a ele deu suporte.
As interpretações acerca do Governo Lula têm convergido para caracterizá-lo como um governo social-democrata. Sendo assim, avaliar e sistematizar os avanços e recuos do governo é uma forma de estabelecer conexões e marcar posições entre a “social-democracia” do governo e o “socialismo democrático” do Partido.
(2) É importante que se realize uma discussão sobre o sentido e o significado do projeto de “novo desenvolvimentismo” que se vem construindo a partir das realizações dos governos petistas.
As análises acerca do novo desenvolvimentismo têm apontado para a construção de um modelo de desenvolvimento ancorado em bases macroeconômicas sólidas, com crescimento, estabilidade e distribuição. Por tudo isso, é possível afirmar que o Governo Lula realizou, e que o Governo Dilma está realizando, parte do programa histórico do PT.
Mas é importante que haja uma reflexão sistemática sobre os modos como a constituição de um mercado interno de massas, ampliado pela melhoria nos salários, pelo avanço dos programas sociais e pelas facilidades de acesso ao crédito, trazem também consigo valores individualistas de competição e concorrência entre iguais.
Ao reavivar a reflexão sobre si próprio o PT pode ajudar o país a repensar que tipo de sociedade e que formas de sociabilidade são desejáveis para a constituição de uma nação mais justa e inclusiva.
O PT passa, atualmente, por um momento decisivo de sua trajetória como partido transformador.
Historicamente, o PT emergiu como força de oposição ao autoritarismo brasileiro e ao totalitarismo internacional, combinando as ideias e ações de trabalhadores organizados, movimentos sociais, comunidades eclesiais de base, militantes de esquerda e intelectuais.
Diante da reunião desse amplo leque de forças progressistas, o PT construiu-se como um partido com fortes relações com os movimentos sociais e com um forte impulso para a construção de uma pauta político-eleitoral transformadora. Dessa forma, a tensão e as contradições entre a possibilidade de transformação da sociedade e a necessidade do acesso ao Estado para realizá-las estão inscritas na gênese do Partido. Os desafios engendrados por essa combinação ambígua foram se clarificando, sobretudo, a partir da última década.
A chegada ao poder, em âmbito federal, canalizou os esforços e as ações do Partido para as tarefas, legítimas, de defesa do governo e de execução das funções de Estado. Mas, essa mesma chegada ao poder, explicitou os impasses relativos à como se deve ocupar o Estado que se pretende transformar.
Por um lado, essa nova etapa trouxe resultados incontestavelmente positivos: o reconhecimento do projeto petista como uma experiência fundamental para a esquerda nacional e internacional em crise; a construção de dois mandatos presidenciais sólidos que realmente alteraram os padrões de crescimento, desenvolvimento, inserção externa e democratização da sociedade brasileira, donde sua ampla aprovação pela população com garantia de continuidade pelo Partido em um terceiro mandato presidencial; além da consagração de uma liderança política com projeção nacional e internacional; para não mencionar o peso simbólico das eleições de um operário e de uma mulher para o cargo máximo da República.
Mas, por outro lado, essa nova fase apresentou contradições importantes com as quais o Partido teve que se defrontar: o financiamento inadequado, quando não ilícito, de campanhas eleitorais; a composição de coligações partidárias ancoradas no estrito pragmatismo e em algumas vezes pouco afeitas ao projeto transformador do partido; a imbricação entre enriquecimento privado e privilégios públicos de algumas figuras; além da adesão ou do recuo, em certos momentos e em determinados setores, em favor de pautas de políticas econômicas avizinhadas de princípios liberais.
As novas responsabilidades relacionadas à transformação do PT de força de oposição em força de governo impuseram ao Partido duas tarefas de difícil, mas necessária, compatibilização: a função de formular um projeto programático pautado pelo princípio da promoção da igualdade, tarefa que envolve reorientar e relembrar constantemente ao governo para onde deve se guiar sua ação transformadora; e a função de implementar um conjunto de políticas que sejam capazes de atender àqueles princípios levando adiante um projeto de desenvolvimento, tarefa que envolve defender e resguardar o governo de forças oposicionistas ou aliadas que podem descaracterizá-lo.
Oportunidades
Ao longo dos dois mandatos do Presidente Lula, o Partido vivenciou o difícil equilíbrio entre essas duas funções. Nesse primeiro mandato da Presidente Dilma, o Partido pode e deve repensar os métodos de combinação dessa dupla-tarefa. Pois, no atual momento, o melhor apoio possível ao terceiro mandato presidencial passa pelo resgaste ideológico e programático do PT. Nessa etapa de profundas transformações na ordem global e nacional o PT precisa pensar a si próprio e ao Brasil de forma estratégica e no longo-prazo.
Esse é um passo necessário para o Partido reafirmar seu projeto hegemônico em um cenário no qual a ordem econômico-financeira passa por profundas mudanças, deixando, inclusive, seu eco indireto sobre o quadro partidário brasileiro. Afinal, destituído de seu receituário liberal, os setores conservadores da sociedade brasileira tem passado por uma crise de idéias, de liderança e de projeto, que tem contribuído para sua fragmentação. Entretanto, a despeito das sucessivas derrotas eleitorais do projeto neoliberal, os setores de centro e direita continuam apresentando-o como um caminho viável, em discursos e iniciativas que partem tanto da oposição quanto de certos setores aliados.
Nesse momento, é fundamental que o PT reassuma seu papel de principal partido socialista democrático da esquerda. Isso significa que o Partido tem a responsabilidade de oxigenar e superar o pensamento burocrático em benefício de um pensamento estratégico que seja capaz de repensar, não apenas de forma retórica e sim de modo efetivo, qual projeto ideológico e programático pode ocupar o espaço aberto pela crise econômico-financeira internacional e pela mudança partidário-ideológica nacional.
Em outras palavras, trata-se de da difícil tarefa de conviver com o pragmatismo de Estado e com a promoção de reformas sem perder de vista o sentido e o significado transformador e emancipador que deve informar ambos: a luta pela igualdade.
Desafios
Nesse sentido, é fundamental que o Partido realize dois movimentos a fim de reavivar sua identidade programática e ideológica:
(1) É fundamental que se realize um balanço crítico dos dois mandatos do governo Lula, através de um confronto entre os conteúdos programáticos construídos historicamente pelo PT e as realizações empreendidas pelo governo e pela coalização que a ele deu suporte.
As interpretações acerca do Governo Lula têm convergido para caracterizá-lo como um governo social-democrata. Sendo assim, avaliar e sistematizar os avanços e recuos do governo é uma forma de estabelecer conexões e marcar posições entre a “social-democracia” do governo e o “socialismo democrático” do Partido.
(2) É importante que se realize uma discussão sobre o sentido e o significado do projeto de “novo desenvolvimentismo” que se vem construindo a partir das realizações dos governos petistas.
As análises acerca do novo desenvolvimentismo têm apontado para a construção de um modelo de desenvolvimento ancorado em bases macroeconômicas sólidas, com crescimento, estabilidade e distribuição. Por tudo isso, é possível afirmar que o Governo Lula realizou, e que o Governo Dilma está realizando, parte do programa histórico do PT.
Mas é importante que haja uma reflexão sistemática sobre os modos como a constituição de um mercado interno de massas, ampliado pela melhoria nos salários, pelo avanço dos programas sociais e pelas facilidades de acesso ao crédito, trazem também consigo valores individualistas de competição e concorrência entre iguais.
Ao reavivar a reflexão sobre si próprio o PT pode ajudar o país a repensar que tipo de sociedade e que formas de sociabilidade são desejáveis para a constituição de uma nação mais justa e inclusiva.
(*) Professor de Economia Política da UFSCar, doutorando em Desenvolvimento Econômico (IE/UNICAMP), bacharel em Ciências Sociais (FFLCH/USP).
Fonte: http://www.cartamaior.com.br
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