Produção cultural, eventos e festivais de música. Planejamento Estratégico e Operacional, Formação política, para sindicatos e ONGs

quarta-feira, 20 de maio de 2009

O Risco Tucano A aprovação na noite de sexta-feira do dia 16/05 da CPI da Petrobrás é reveladora de dois elementos no enfrentamento das forças políticas do país em suas movimentações para a sucessão do governo Lula. O primeiro é a incapacidade do campo conservador liderado pelo tucanato em encontrar uma pauta positiva para disputar na sociedade a sucessão. O segundo é a dificuldade do governo em enfrentar a ofensiva da oposição e da mídia, a partir da sua base institucional e parlamentar. O campo formado pelos principais partidos de oposição, PSDB e DEM, apoiados pelo PPS e por importantes lideranças regionais de partidos da base do governo, buscam unificar uma única candidatura para essa disputa, a do governador de São Paulo, José Serra. Se a candidatura alternativa para esse projeto do governador de Minas Gerais, Aécio Neves, já gera problemas, o maior deles é apresentar uma pauta própria com capacidade de polarização social que sintetize uma visão distinta da atual política em curso assim como construir uma pauta negativa para o Governo Lula. Já é percebido no ninho demo-tucano, que o atual índice de intenção de votos detectado pelas pesquisas de opinião de aproximadamente 40% da candidatura Serra, não se sustenta até o início da campanha eleitoral em 2010. O crescimento da possível candidata do PT, Dilma Rousseff, é sólido e constante. Quanto mais o nome de Dilma é associado ao de Lula e as realizações desse governo, mais ela cresce. A luz vermelha ascendeu no campo conservador, uma possível vitória de Dilma sinalizará a consolidação de um projeto político para o país, o projeto do PT, e de longa duração. O vislumbre desse cenário é o que organiza a ofensiva em curso dos partidos e lideranças neoliberais com o apoio da mídia conservadora. A maior dificuldade deste setor é exatamente de construir uma plataforma que tenha apoio social e ao mesmo tempo seja distinta da atual política do Governo Lula. Como tinham dificuldades em bater de frente com a política econômica, a principal alternativa ao longo dos últimos anos foi associar o governo ao desperdício e ineficácia na gestão e ao assistencialismo nas políticas sociais. Bateram fundo nessas teclas. Foram derrotados com esse discurso em 2006, mas mantiveram a mesma crítica para o segundo governo, até por falta de alternativa. Com a crise internacional de 2008 e com ela a revelação da falência da visão de estado mínimo como modelo de “gestão eficiente”, ficou muito difícil apresentar outro paradigma com comprovado êxito em algum país desenvolvido, para se contrapor de forma global ao modelo de gestão de estado que se inicia no Brasil. Na área social mais um percalço ao projeto conservador, da insistência em rotular os programas sociais como assistencialistas, em particular o bolsa família, começam a migrar para outra abordagem. Passam a assumir esses programas como um avanço, é claro que “com origem” no governo FHC, e que vão avançar nessas políticas... É muito pouco para rivalizar com a política atual em curso, mas sobram poucas alternativas, pois não há discurso que organize na atual conjuntura uma antítese a ela. Em face dessas dificuldades, ao final de 2008 surgiu uma esperança: a crise internacional. Enfim uma oportunidade. A crise chegaria aqui e desarrumaria a economia do Brasil. De um ciclo de crescimento consistente para o caos, a tese do quanto pior, melhor. Mas não previam a reação do governo. Imaginavam um freio nos investimentos em infra-estrutura e na área social. Mas ao contrário do previsto foi reafirmado a manutenção do PAC, a redução do IPI para automóveis e alguns produtos, o Programa Nacional de Habitação, o aumento da cobertura do bolsa-família e do salário mínimo. Pior, junto a tudo isso a imagem do Lula: “Ele é o cara”. A CPI da Petrobrás é o abraço dos afogados. É o que resta. Atacar o governo em um elemento subjetivo e paralisar a gestão num período de enfrentamento da crise. Rememorizar a crise de 2005 e apontar para o maior símbolo público brasileiro, a Petrobrás. É mais uma CPI dentre tantas nesse governo, um recorde histórico, mas essa é especial. Desprovida de foco determinado e instalada em surdina por alguns senadores tucanos em sessão semi-clandestina, esta CPI parece ser a última munição, e como tal deve ser tratada pelas forças políticas e sociais que dão sustentação ao Governo Lula. A mídia conservadora não terá dúvidas. Todo o papel que tem cumprido em distorcer os fatos, mentir, exagerar meias verdades, estampar uma manchete negativa na capa e suavizar no conteúdo da matéria, é um forte indicativo de que não se furtará em botar toda a sua rede de inteligência para levantar todo e qualquer tipo de irregularidade, por menor que seja para construir uma atmosfera de “corrupção generalizada” na maior empresa brasileira. Já podemos imaginar as manchetes sensacionalistas semanais. A mesma mídia que se recusa a destacar as sólidas denúncias contra a governadora tucana do Rio Grande do Sul ou de investigar as denúncias de caixa dois levantadas recentemente pela Polícia Federal no escândalo da Camargo Corrêa e do financiamento das eleições do prefeito e de inúmeros vereadores nas últimas eleições na cidade de São Paulo. As forças populares e de esquerda não podem ficar paralisadas diante desta ofensiva. Um dos elementos importantes desta conjuntura é a incapacidade do governo em operar respostas a altura das provocações da direita neoliberal a partir da estrutura oficial do governo e em particular da sua frágil base parlamentar. Os interesses fisiológicos da tradição dos partidos de centro e de direita que compõe a base do governo impossibilitam uma resposta à altura. A permanente troca de favores e benesses exigida para a votação em qualquer medida central de interesse do governo dá a medida da fragilidade dessa base. Foi assim na votação da CPMF e agora também. O episódio de moralização na gestão da Infraero é um bom exemplo dessas dificuldades, a necessidade permanente do governo de referendar medidas positivas na eficiência e transparência da gestão e ao mesmo tempo equilibrar as tensões de sua base parlamentar. Esse tem sido o maior dilema do governo e a principal causa de suas dificuldades. O comportamento por interesses menores desses setores na bancada federal e em particular no Senado, só tende a aumentar no próximo período, e crescerá na aproximação do calendário eleitoral. O melhor cenário para esses parlamentares é a indefinição para a sucessão. É no equilíbrio das forças em disputa que se valorizam, de um lado e de outro. Cobram uma fatura aqui e outra acolá, sem compromisso formal de que lado estarão no momento final da disputa. Logo, não é dessa base que se pode esperar uma verdadeira defesa do Governo Lula, e ela é necessária já. Chegou o momento de botar o bloco na rua. O único agente político com capacidade de responder a ofensiva neoliberal é o povo brasileiro. Se a direita quis antecipar a sucessão com a provocação antipatriota de convocação da CPI da Petrobrás, vamos à luta, mas a luta a ser proposta não é a de gabinetes, onde eles são fortes. É na rua, o palco que eles odeiam. Cabem ao movimento social, suas centrais sindicais e populares, aos partidos e segmentos partidários que apóiam verdadeiramente esse governo, em particular o PT, de organizar um amplo movimento nacional “Em Defesa do Governo Lula e das Conquistas do Povo Brasileiro”. Iniciar manifestações populares em defesa da Petrobrás e um grande ato público em Brasília no dia da instalação da CPI. Difundir ao povo brasileiro os avanços desse governo e denunciar os vários escândalos envolvendo a oposição conservadora. Não é mais possível sustentar esse governo através da ação parlamentar, inclusive para se garantir um amplo leque de forças políticas no apoio a candidatura do PT é necessária uma sólida consciência popular fruto da mobilização social em defesa dos seus interesses. O ano de 2009 pode ter essa marca, o ano do despertar de uma consciência cidadã brasileira na defesa das suas conquistas e da sua soberania. Beto Bastos

terça-feira, 19 de maio de 2009

A CPI da Petrobrax e a tucanalhada

A CPI da Petrobrax e a tucanalhada Publicado no site da Carta Maior Os tucanos queriam privatizar a Petrobras, como parte dos acordos assinados com o FMI, trocaram o nome da empresa – orgulho e patrimônio nacional – para Petrobrax, para tirar essa marca de “Brasil”, negativa para eles, e torná-la uma “empresa global”, a ser submetida a leilão no mercado internacional. Não conseguiram. Seu ímpeto entreguista durou menos de 24 horas diante do clamor nacional. Se deram conta que naquele momento tinham avaliado mal os sentimentos do povo brasileiro, que tinham ido longe demais no seu ardor privatizante e entreguista. Tiveram que recuar, mas nunca abandonaram seu projeto, tanto assim que venderam 1/3 das ações da Petrobras na Bolsa de Valores de Nova York, como primeiro passo para a privatização da empresa. Tinham colocado em prática o programa econômico mais antinacional, de maior abertura ao capital estrangeiro, que o Brasil conheceu, sob o mando de FHC e seus ministros econômicos – Pedro Malan e Jose Serra. Quebraram o país três vezes e correram pedir mais há empréstimos ao FMI, assinando com presteza as cartas de Intenção, de submissão aos organismos financeiros internacionais. Na crise de 1999, subiram as taxas de juros a 49%, para tentar segurar o capital especulativo e impuseram uma recessão de que a economia só voltou a se recuperar no governo Lula. Entre as cláusulas secretas da Carta de intenções assinadas nesse momento, a imprensa revelou que constava a privatização da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica. Foram rejeitados pelo povo. Quando Lula, no sexto ano do seu governo, tem o apoio de 80% da população e a rejeição de apenas 5%, FHC tinha o apoio de apenas 18%, mesmo contanto com o apoio total da totalidade da grande mídia, essa mesma que rejeita a Lula. Viram, com frustração, a Petrobras se transformar na maior empresa brasileira e em uma das maiores do mundo, conseguir a auto suficiência em petróleo para o Brasil, descobrir o pré-sal, entre tantas outras conquistas, afirmando seu caráter nacional e de identificação com a construção de um Brasil forte. Mas não se conformaram. Na calada da noite organizaram uma CPI sobre a Petrobrás. Enquanto o povo quer uma CPI sobre a Petrobrax. Tratam de impor os danos que consigam à maior empresa brasileira, tentam impedir que a exploração do pré-sal fique nas mãos do Estado brasileiro, querem afetar o valor das ações da empresa, obstaculizar seus planos de expansão e de crescimento. Porque lhes dói tudo que seja nacional, tudo que represente fortalecimento do Brasil como nação. São os corvos do século XXI, os novos lacerdistas, os novos udenistas, a direita branca e elitista, antinacional, antipopular, que sente asco pelo povo e pelo Brasil. FHC espumava de raiva ao ver que para tentar ter alguma chance de disputar o segundo turno com Lula, o candidato do seu partido rejeitou as privatizações do seu governo, comprometeu-se a não tocá-las pra frente, sabendo que se chocam frontalmemente com os sentimentos do povo brasileiro. Querem prejudicar a imagem da Petrobras, a fortaleza da empresa de que se orgulham os brasileiros, que a querem cada vez mais forte e mais brasileira. Acenam para as grandes empresas estrangeiras de petróleo com a possibilidade de dar-lhes o controle do pré-sal, como presente de ouro, caso consigam retomar o governo no ano que vem, garantindo-se ao mesmo tempo polpudos financiamentos eleitorais. Não hesitam em sacrificar tudo o que seja nacional e popular, contanto que possam voltar ao governo e seguir dilapidando o patrimônio publico. São definitivamente uma tucanalhada, que precisa ser repudiada e rejeitada pelo povo brasileiro, para que não possam seguir tentando causar danos ao Brasil. Tirem suas patas entreguistas de cima da Petrobrás, do pré-sal e do Brasil, tucanalhada antinacional, antipopular e antidemocrática. O Brasil é maior que vocês, os rejeitou tantas vezes e vai rejeitá-los de novo. É Monteiro Lobato contra Carlos Lacerda, Getúlio contra Rockfeller, o povo brasileiro contra a tucanalhada de FHC. Que se instaure a CPI que o povo quer – a CPI da Petrobrax, onde estão as digitais dessa corja que odeia o povo e o Brasil. Emir Sader é sociólogo

sábado, 16 de maio de 2009

Profundidade da crise coloca desafios cruciais para a classe trabalhadora

Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito 15-Mai-2009 Chegamos quase à metade do ano e já inundam a grande imprensa notícias dando conta de uma incipiente saída da crise, tendo em vista a melhora da balança comercial, uma discreta retomada no comércio varejista e na produção industrial e, por que não dizer, a retomada dos índices Bovespa e assemelhados. Ao mesmo tempo, prognósticos de desemprego vêm se concretizando a passos largos, e já podem ser vistas revoltas em diversos países, não somente periféricos, mas também nos centrais, com trabalhadores se manifestando e empresas fechando, sem que as sonhadas respostas para a superação da crise apareçam. Diante de tal conjuntura, o Correio da Cidadania entrevistou o sociólogo Ricardo Antunes, para quem o quadro que se avizinha é devastador, uma vez que não há discussões em torno de uma mudança profunda de nosso modo de vida, somente medidas que mais interessam ao capital que ao trabalhador - o que, em algum momento, chamará novamente pela intervenção do Estado. Quanto às estimativas de desemprego, Antunes diz que será superada a expectativa de 50 milhões de postos de trabalho perdidos feita pela OIT, até porque o órgão se baseia somente em dados oficiais. Para ele, o debate central passa pela redução da jornada de trabalho, sem perda de direitos, que resultaria na inserção de um enorme contingente de excluídos, desde que dispensados os imperativos do mundo do capital. Correio da Cidadania: Pensando na economia primeiramente, perto de já completarmos o primeiro semestre de um ano que se anunciou sombrio – a partir de uma queda de 3,6% do PIB no último trimestre de 2008 relativamente ao 3º, com queda de quase 10% dos investimentos e de 7,4 % na indústria -, começam a ser ouvidas vozes de analistas e estudiosos prevendo um início, ainda que incipiente, de saída da crise, especialmente no Brasil. Nesse sentido, essa melhora muito discreta da balança comercial, do comércio varejista e da produção industrial no primeiro trimestre tem algum significado em sua visão? Ricardo Antunes: Não vou fazer uma análise detalhada dos movimentos da economia, pois não sou economista e, portanto, farei uma consideração de âmbito mais geral. Penso que, dada a amplitude da crise estrutural que vivemos e o fato de nossa economia ser muito interligada, em função da mundialização do capital, esses condicionantes anteriores não permitem uma análise muito otimista do mercado brasileiro. Claro que medidas como a redução do IPI de vários setores, incentivo à produção aqui e ali, à indústria automobilística, à construção civil etc. têm um impacto imediato no sentido de se contrapor a uma tendência de crise mais acentuada. No entanto, a questão que se coloca é o alcance de tais medidas, uma vez que vemos o quadro norte-americano, europeu e asiático (Japão) em situação muito grave. Isso me leva à seguinte consideração: o epicentro da crise pode se alterar, mas estamos vivendo um longo período depressivo, de decréscimo das taxas de lucro. As opiniões "otimistas" me parecem expressão de uma expectativa não respaldada numa análise global mais forte, visto que imaginam isolar alguns países e crer que possam caminhar à margem da crise, que é mais estrutural e global. É natural que os países tenham resultados diferenciados, com maior ou menor nível de desemprego. Os dados do trabalho mostram isso. Mas, mesmo quando há uma diminuição no ritmo do desemprego, na seqüência se reconfigura um quadro no mínimo problemático. E a equação da crise, da forma como vem sendo feita nos países centrais – de "socialização das perdas", uma expressão que já nos marcou na 1ª. República –, é a de repassar os prejuízos das empresas e do mercado ao Estado e dele para o conjunto da população, que deverá pagar uma conta pela qual não foi responsável. Isso traz um endividamento público de proporções colossais e alguém terá de pagar essa conta em algum momento. Sendo assim, não posso corroborar essas análises otimistas. Elas se assemelham àquelas que, há pouco mais de seis meses atrás, diziam que estaríamos imunes à crise, idéia falaciosa e, no limite, equivocada. CC: O Brasil realmente começou o ano com números alarmantes de crescimento do desemprego. No entanto, nos últimos meses, houve uma mudança de movimento e, apesar de a taxa de desemprego ser ainda crescente, diminuiu o ritmo de perda de postos de trabalho. Pela sua análise, podemos inferir que essa queda de ritmo não chega a ser significativa de alguma virada? RA: Não creio em virada, mas isso responde a alguns movimentos feitos. O governo, por exemplo, reduziu significativamente o IPI para a indústria automobilística, para a construção civil e outros setores, o que tem incidência nos níveis de emprego, pois o Brasil possui um mercado consumidor interno forte, que em geral sempre foi menosprezado, pelo fato de o pólo central de nossa economia ser prioritariamente voltado ao mercado externo. À medida que esse mercado externo dá sinais de retração e há incentivos ao mercado interno, pela redução de alíquotas, há uma aceleração da possibilidade de consumo por parte de parcelas da população que costumam ficar à margem do mercado consumidor, criando um bolsão de crescimento, mas que leva à seguinte questão: até quando essa política de isenção de impostos compensa o não-recolhimento do conjunto necessário de impostos, imprescindíveis para o custeamento de outras áreas, como saúde, previdência e educação? É evidente que, diminuindo o imposto e aumentando momentaneamente o consumo, será possível dizer, por meio das contas, se vale a pena ou não a redução dos impostos em relação ao crescimento da produção. Mas, a médio e longo prazos, esta não é uma alternativa duradoura e efetiva à crise, até porque ela tem outros elementos estruturais mais significativos, dados pelos seus condicionantes externos. A meu ver, o problema – ainda que o Brasil não esteja entre os países mais atingidos – é imaginar que já saímos do pior sem observar o cenário internacional e como a crise continua forte nos países que estão no coração do sistema. Nós, em verdade, estamos no centro de uma crise estrutural do sistema do capital, que inicialmente devastou o chamado 3º. Mundo, depois arrasou o Leste Europeu e agora está no coração dos países capitalistas centrais. E essa crise, além de estar operando o que venho chamando como uma nova era de demolição do trabalho, é profundamente destrutiva em relação à natureza, colocando em risco o próprio futuro da humanidade. Neste sentido, ela é estrutural e devastadora. CC: Nesse sentido, PAC, novo pacote habitacional, incentivo ao setor automobilístico, as medidas mais importantes do governo pra combater a crise, tão ufanisticamente tratadas pelos seus interlocutores, têm, efetivamente, um impacto limitado na economia e no mercado de trabalho. RA: Sim, um efeito conjuntural, na medida em que reduzem as taxas de desemprego, que seriam ainda maiores. Mas as informações dos EUA, da Europa e Japão, mostrando taxas mais altas de desemprego, empurram o cenário para um quadro ainda mais crítico. As medidas podem diminuir um pouco o nível de desocupação, mas agora vimos, nos dados mais recentes do IBGE, uma alta taxa de desemprego nas principais regiões metropolitanas, inclusive incidindo sobre jovens com relativa qualificação. Isso parece mostrar o caráter momentâneo e conjuntural das medidas do governo, até porque todo o modelo brasileiro, inclusive no governo Lula, é voltado à dependência do mercado externo, através das commodities e da exportação. Quando há uma retração forte no mercado externo, afeta nossa produção. A redução de IPI incide, portanto, positivamente no mercado interno, mas não nas commodities e no mercado externo. CC: E quanto às medidas voltadas ao mercado de trabalho mais especificamente, qual é a sua opinião quanto à postura do governo frente ao discurso recorrente do patronato na defesa da flexibilização dos direitos trabalhistas para enfrentar a crise? Não deveria e poderia este mesmo governo, em direção oposta à flexibilização, exigir mais contrapartidas das empresas beneficiadas com ajuda pública? RA: Claro. No primeiro momento, a redução do IPI já não foi sequer condicionada à não-demissão, tanto que algumas empresas obtiveram o benefício e demitiram, o que mostra a timidez das medidas, que atendem muito mais aos interesses do capital do que aos do trabalho. A redução momentânea do IPI deveria, no mínimo, ser rigorosamente condicionada à manutenção do emprego e à contratação de novos setores. E há outro ponto fundamental, que é a necessidade de tributar – e não desonerar – os capitais. Outra questão é que o governo não atendeu a nenhuma bandeira dos trabalhadores e do sindicalismo de classe, como, por exemplo, reduzir a jornada sem diminuir salários e direitos. O governo é tímido com relação a tais medidas, pois sabe que elas não interessam ao grande capital. Como se trata de um governo de conciliação, que garante os interesses do grande capital, do capital financeiro, do grande capital produtivo, os maiores beneficiários da política econômica do governo Lula, uma medida como essa – a redução efetiva da jornada de trabalho sem perdas de direitos e de salário - poderia ter efeitos positivos, pois aumentaria o ingresso da força de trabalho sobrante no mercado de trabalho, dado nosso alto nível de desemprego. No entanto, trata-se de uma providência que, em alguma medida, fere os interesses do grande capital; por isso ela sequer é seriamente cogitada pelo governo. CC: O professor de Economia da Unicamp, e atual diretor do IPEA, Marcio Pochmann defendeu uma jornada semanal de trabalho de 12 horas em um curso sobre a crise mundial que está sendo promovido, entre outros, pelo jornal Brasil de Fato – apesar do reconhecimento de que não há hoje força política para se alcançar esta bandeira. O que você pensa disso? RA: Acho que ele tem razão. Com a redução de jornada e as pessoas trabalhando algumas horas, em alguns dias da semana, a produção voltada ao consumo da humanidade estaria garantida. Mas somos uma sociedade concebida desde seu nascedouro como uma sociedade do trabalho, em que o papel da classe trabalhadora é criar mais valor apropriado pelo mercado e grandes empresas capitalistas. Essas, se pudessem, prolongariam a jornada e/ou aumentariam, como fazem, a intensidade e a exploração do trabalho através do conhecimento técnico-científico-informacional dentro da produção - de modo que, intensificando o tempo de trabalho e aumentando a maquinaria técnico-científica, o capital se remuneraria muito mais, obtendo muito mais lucro e mais-valia. Mas Marx já nos alertava de que uma proposta significativa para redução de jornada não é do interesse do grande capital. Há cerca de uma década, na França, com muito mais tradição de lutas operárias e conflito social, houve uma proposta de uma redução muito moderada da jornada e, ao longo de meia década depois, o capital francês impediu que esse processo resultasse em algo positivo para a classe trabalhadora. Assim, revela-se um pouco da prática do empresariado. Portanto, reduzir substantivamente a jornada de trabalho é um embate profundo entre as forças sociais do trabalho e os interesses dominantes do capital em escala global. Reduzir a jornada de trabalho, tendo como base o tempo disponível da população trabalhadora, de modo que se preservasse o consumo necessário da humanidade, é fundamental, mas fere os interesses do sistema de capital, fundados numa sociedade (da exploração) do trabalho. O que quero dizer é que reduzir a jornada sem reduzir direitos é um embate político fundamental do trabalho contra o capital, desde os primórdios da Revolução Industrial. Com o padrão técnico-científico que temos, se os interesses dominantes não fossem os do capital, se os imperativos não fossem os do capital, poderíamos ter uma jornada de trabalho muito menor, com menos tempo e dias de trabalho, e tendo a população trabalhadora vivendo com mais dignidade e aumentando seu tempo de vida fora do trabalho. Mas para tanto precisamos caminhar para outro modo de vida e de produção, para além do capital. Por isso se trata, antes de mais nada, de uma luta social e política de grande envergadura. CC: Pensando em termos mundiais, acredita que vá se confirmar a projeção da OIT de aumento de 50 milhões no número de desempregados em 2009? RA: Será muito mais do que isso. A OIT opera com dados oficiais. É difícil fazer a captação de dados não-oficiais. Por exemplo: se a China perdeu em poucos meses 26 milhões de trabalhadores urbanos que migraram do campo em busca de trabalho nas cidades, só contabilizando o desemprego real da China, da Índia, do resto da Ásia, África, América Latina, e mesmos os países centrais, teremos taxas de desemprego maiores do que as previstas pela OIT, que já são explosivas, pois 50 milhões de seres humanos desempregados só em 2009 já configuram uma taxa explosiva. Mas, com os elementos que colhemos dos EUA, Europa e Japão, se incluídos nesse cenário avassalador os demais continentes, teremos um desemprego real ainda maior. Sabemos que o desemprego oculto freqüentemente não é apreendido pelos dados oficiais, aquele sujeito que trabalha só algumas horas por semana não consta como desempregado, assim como o sujeito que já não procura emprego há mais tempo também deixa de ser contabilizado. Estive duas vezes em Portugal recentemente, em novembro e fevereiro. A situação que se pode constatar é de que os jornais não ficavam um dia sem estampar em suas manchetes notícias de inúmeras empresas que fechavam. De todas as áreas, farmacêutica, turística, bancária etc. CC: Avaliando as saídas para a atual crise, que além de econômica tem uma forte e reconhecida vertente ambiental, é fato que o planeta terra não vai conseguir atender a toda a humanidade a se prosseguir a lógica atual do capital. Estamos, assim, metidos em um buraco de proporções razoáveis. Ainda que não esteja no horizonte próximo o fim do capitalismo, configura-se uma crise do modo de produção capitalista? RA: Claro. Se a economia continua em retração e crise, ela desemprega. Ao manter o desemprego, aumentam as mazelas e a barbárie, em amplitude global. Vivemos uma situação desesperadora para muitos milhões de trabalhadores e trabalhadoras, com bolsões cada vez maiores de "supérfluos", "descartáveis", para os quais não há qualquer programa efetivamente alternativo de saúde, previdência, remuneração social etc. São os bolsões que vivenciam as mais brutais precariedades. Como disse acima, estamos numa longa crise, cujo epicentro se altera. Por exemplo: os EUA estavam em crise profunda nos anos 70, recuperaram-se no final dos anos 80 e nos 90, depois entraram em novo desabamento; ou o Japão, no auge nos anos 70, época do milagre japonês, até os anos 80, e que num dado momento entrou num quadro crítico que se mantém até agora. Portanto, o epicentro da crise se alterna, mas suas conseqüências são profundas para a classe trabalhadora. A China, por exemplo, apresentou níveis altíssimos de crescimento, chegando a 12% ao ano, mas hoje vive uma retração também fortíssima. E imagine o que é uma retração num país como a China, de quase 1,5 bilhão de habitantes e quase 1 bilhão de População Economicamente Ativa. Imagine cada ponto percentual a menos de crescimento, em quantos milhões de desempregados isso resulta. E o trabalhador chinês que foi para a cidade, nesse salto capitalista da década de 90, não tem como retornar ao campo, pois lá não há alternativas de trabalho. E ele já viveu uma socialização no mundo urbano que faz a volta ao campo deixar de se colocar como possibilidade. Se a economia se mantém em depressão, então, o desemprego aumenta; se, em contrapartida, dá sinais de crescimento, teremos a destruição da natureza, aumento da poluição ambiental, degelo acentuado, uma confluência de destruições trazendo riscos profundos à humanidade. Assim, veja a tragédia em que nos encontramos: se aumentar o desemprego, a barbárie social se torna ainda mais brutal; se retomarmos o ritmo de crescimento, teríamos aumento de doenças, contaminações e demais conseqüências, como já vemos em grandes cidades do mundo, com o agravamento da poluição cada vez mais insuportável. "Se correr o bicho pega, se parar o bicho come". É a tragédia que vivemos. CC: Qual a alternativa que se apresenta? Há como começar a buscá-la pela perspectiva neokeynesiana tão em voga nessa crise, a partir de reformas do Estado dentro do capitalismo, com maior regulamentação do mercado? RA: Se olharmos o século XX veremos que o keynesianismo e o neokeynesianismo foram fagocitados pelo sistema do capital. De 1945 a 1968, apogeu do sistema keynesiano, do welfare state, quando parecia no final dos anos 60 que o Estado havia controlado o capital, vimos o inverso: o capital engoliu e desestruturou o Estado a tal ponto que criou o Estado neoliberal, que nada mais é que um Estado forte para os capitais e completamente destroçado no que diz respeito às suas atividades públicas, coletivas e sociais. O que é público foi destroçado e um poderoso Estado todo privatizado foi fortalecido. Foi o que vigorou desde a eleição da Margareth Thatcher, que tragicamente, poucos dias atrás, completou 30 anos da vitória desta verdadeira hecatombe social, com a subseqüente expansão do neoliberalismo para praticamente a totalidade dos países do continente, salvo poucas exceções. E há outra experiência que deve ser lembrada, a soviética. Fruto de uma revolução socialista e popular em 1917, ela também, em sua processualidade complexa e contraditória que aqui não podemos explicar, fortaleceu e hipertrofiou o Estado ao limite. Podemos dizer que lá não houve a constituição do sistema socialista, mas um fortíssimo processo de estatização da economia e regulação, e mesmo eliminação, em vários aspectos, do capitalismo. E o que aconteceu? Em 1989, o sistema de capital, que se manteve inalterado (conforme a indicação de Mészáros), acabou destruindo esse Estado todo poderoso soviético, o chamado "bloco socialista". Esse histórico nos faz crer que a idéia de fortalecer o Estado para superar a crise é um misto de farsa e também de tragédia. O desafio de hoje é de outra amplitude. A crise é sistêmica e estrutural porque coloca em xeque, primeiro, a sobrevivência da humanidade, já que sua força de trabalho é destruída em quantidades inimagináveis - nunca houve tanta conversão de milhões de homens e mulheres, que dependem do trabalho para sobreviver, ao desemprego. Não que adorem trabalhar, mas sem isso eles não vivem, não se reproduzem em sociedade. Atingida a casa das centenas de milhões por essa parcela que não encontra trabalho, a destruição sócio-humana é brutal. O processo de destruição da natureza também chega a proporções inimagináveis. Não podemos mais dizer que a destruição ambiental é um risco para o futuro da humanidade, pois o é para o presente. Se a humanidade vem sendo destroçada diuturnamente, é um desafio seu repor a questão da construção de um novo modo de produção e de vida que, em primeiro lugar, resgate o sentido estruturante e fundamental do trabalho como criador de bens materiais, culturais e simbólicos totalmente úteis e necessários para a humanidade. Em segundo lugar, é preciso um sistema de metabolismo, para usar expressão de Marx, entre a humanidade, que expresse a recriação de ambos, trabalho e natureza, não a destruição de ambos. Isso o sistema de capital, com seus imperativos e constrangimentos, impede que se realize. Portanto, o desafio central do início do século 21 é a superação do sistema do capital e a retomada do projeto socialista. O que coloca outra questão vital: as saídas da crise, para um lado ou outro, dependerão da temperatura das lutas sociais em escala global, dependerão do patamar da luta entre as forças sociais do trabalho, de um lado, e as forças destrutivas do capital, de outro. No passado se dizia: esse é o búsilis da questão! CC: De que tipo de socialismo estamos falando para o século 21, a seu ver? RA: Claro que não pode ser a repetição do socialismo experimentado no século 20. Assim como fracassou o sistema keynesiano, como falamos anteriormente, é evidente que a experiência russa, a chinesa, para ficar nas mais importantes, também fracassaram. Sobre a russa não paira mais nenhuma dúvida, uma vez que a ex-URSS já se reconverteu ao império do capitalismo à força; e a tragédia da China é de tal amplitude que hoje há milhões de desempregados, com milhares de levantes ocorrendo a cada fechamento de fábrica. Tanto é assim que a China vem sendo um laboratório de lutas sociais, enfrentamentos e tensões fundamentais, o que não pode ser atribuído à Revolução de 49, pelo contrário. Parece evidente que a China atual não tem mais nenhum vínculo forte com a sua Revolução original. Basta dizer que há três anos o PC reconheceu em seu estatuto o direito de a burguesia se filiar ao partido, uma completa heresia para qualquer variante do marxismo! E mais: a camada de novos milionários nascida na China da última década criou uma burguesia milionária que não permite falar seriamente em nenhum tipo de socialismo chinês. Resolver a situação dizendo que lá há "socialismo de mercado" é desconhecer a formulação decisiva de Marx, que poderia ser sintetizada assim: "onde há mercado capitalista, não sobrevive o socialismo. E onde há socialismo efetivamente construído, não pode haver mercado capitalista". Sendo assim, a equação do "socialismo de mercado" se mostrou falaciosa. Pode ter hoje uma justificativa ideológica do governo chinês, mas as condições de exploração do trabalho na China inspiram muitos dos próprios países capitalistas... CC: Nesse sentido, como se coloca a perspectiva socialista, qual seja, como avançar rumo ao socialismo? Um projeto socialista não poderia, ou deveria, começar por pequenas reformas, como, por exemplo, a luta por uma jornada menor? RA: É claro que esse é um processo mais complicado. Nós sabemos como o socialismo no século 20 não deu certo. Assim como o sistema keynesiano fracassou em regular o capital, o sistema soviético fracassou em destruí-lo, tendo ocorrido o contrário. Essas são, portanto, experiências que devem passar por um profundo crivo analítico. A redução da jornada de trabalho não é uma bandeira pequena, pois mudá-la é tocar no ponto fundamental de Marx: o tempo. O capital converte o tempo no tempo do capital. Deixar o controle do tempo nas mãos da humanidade ou do capital não é uma questão pequena, não é uma medida reformista singela. Mas o interessante na crise é que ela fez virar pó a idéia de que o capitalismo é eterno, na qual tanto se havia acreditado. Eis o primeiro ponto importante a ser mostrado a todos. Usando uma frase genial do Marx, tudo que é sólido se liquefaz. Ou seja, o capitalismo vive um processo de derretimento. Quantos trilhões de dólares viraram pó? Citybank e todos os seus afiliados tiveram desvalorização monumental nas transações nos EUA; a GM e a Chrysler estão à beira da falência. Ou seja, o capitalismo conseguiu, com suas próprias contradições, estabelecer uma crise muito profunda. CC: A classe trabalhadora tem como costurar um projeto nesse sentido hoje? RA: Outro ponto nesse sentido, de tudo que é sólido se liquefazer, é que as lutas dependem do nível de confrontação social, do patamar das lutas sociais entre as classes. É isso que definirá para qual caminho vai uma reforma. Ninguém disse que o capitalismo vai acabar. Podem-se prolongar por decênios crises que vão sendo empurradas com a barriga, aumentando a socialização das perdas, de modo que o mundo do trabalho pague pelas perdas do capital. Essa é a alternativa do capital. Depois, ele faz do Estado um pêndulo. Ora um Estado mais intervencionista, ora um Estado não intervencionista. Que sistema e modo de vida queremos? Isso nos obriga a discutir o princípio do trabalho, se ele se estrutura no capital ou na humanidade. Se for na humanidade, deve desestruturar o capital. Também devemos discutir que relação metabólica queremos. É um completo equívoco no meu entender imaginar que podemos ter uma vida transformada sob o comando da propriedade privada. Assim, coloquemos novamente em discussão o sentido da propriedade privada. Ela tem como conseqüência o enriquecimento de menos de 1% da população, enquanto mais de 90% fica despossuída. A embaralhada em que estamos é de grande envergadura. Diria, de forma conclusiva, que vivemos algo parecido ao início do século 20. Nessa época, fazendo um paralelo geofísico, as placas tectônicas se movimentaram. Tivemos revoluções, a vitória dos países aliados, o nascimento e morte do chamado bloco soviético, enfim, uma reorganização muito grande do mundo. Agora, começamos o século 21 com as placas também nervosas, se mexendo. Temos um nível de temperatura social que coloca, em nível mundial, as forças do trabalho em oposição às do capital. Não desconsidero o fato de que os últimos 30 anos marcaram a contra-revolução burguesa no sentido global, mas essa vitória do capital sobre o trabalho começa a dar sinais de esgotamento, com a crise do neoliberalismo, a crise estrutural do capital e o nascimento de uma nova morfologia do trabalho, cujo traço particular são as novas formas de lutas sociais. Por exemplo, a América Latina tem mostrado avanços em várias partes, através de descontentamentos sociais. Na Ásia – China, Coréia, Indonésia, Japão –, existem contradições muito profundas, também com lutas sociais. O mesmo ocorre muitas vezes na África, na América do Norte e até na Europa. As placas tectônicas estão se mexendo, há uma nova morfologia do trabalho e essas lutas, apesar de tudo, são as lutas históricas que conhecemos - greves e manifestações. Por outro lado, existem também novas lutas, como aquelas contra a privatização da água, dos minérios e riquezas energéticas, que colocam a temperatura social em ebulição. Não estamos dizendo que está acabando o capitalismo, mas temos razoável convicção de que ele tampouco é eterno. A equação dessa crise passa pela temperatura das lutas sociais e sua conflagração entre as classes. Isso pode significar retrocesso, com uma extrema-direita no poder – imaginem um retrocesso num mundo que já tem Berlusconi e Sarkozy -, ou uma retomada no século 21 das potencialidades das lutas sociais. Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

II Simposio Internacional CIRIEC Venezuela e X Simposio Nacional de Economia Social “Relaciones estado-organizaciones de la economía social”.

Abaixo convocatória enviada(email) pela amiga Valéria Mutuberría, mestranda em Economia Solidária na La Universidad Nacional de General Sarmiento (UNGS)(Argentina), e participante de la Asociación Civil “Trabajando por la Economía Social” (TES). JUSTIFICACIÓN En el contexto de la actual crisis mundial del capitalismo y sus alternativas, en escenarios internacionales se viene apreciando e interrogando sobre el potencial de las Organizaciones de Economía Social (OES) y sobre sus relaciones con el resto de la sociedad y el Estado. Se habla con diferentes términos sobre las organizaciones socioproductivas que conforman la economía social, la economía solidaria, la economía popular o la economía comunal. En un reciente estudio contratado a la red CIRIEC Internacional (http://www.ulg.ac.be/ciriec/), por la Comunidad Europea sobre la Economía Social en Europa , se encontró la extendida existencia de las OES en todos esos países pero con diferentes nombres, distintas legislaciones específicas aplicadas y variadas formas de relación con el Estado, aunque en común con cierta “invisibilidad”, derivada del hecho de que su aporte al Producto Interno Bruto no aparece diferenciada por el sistema de cuentas nacionales aplicado. En el estudio se asumió que las OES son organizaciones democráticas, cuyos socios controlan mayoritaria o exclusivamente el poder de decisión de la organización, tales como cooperativas, sociedades laborales, mutuales, fundaciones, asociaciones de utilidad pública, centros especiales de empleo y empresas de inserción social. Esta no es una simple discusión académica, envuelve lineamientos de políticas públicas y formas de relación con el Estado y el resto de la sociedad y su estudio está atravesado por múltiples dimensiones dentro de la complejidad social. En general, así como crecen las experiencias de las OES se extiende también la necesidad de estudiar a las OES y a las formas de relación que mantienen con el Estado. Hay una demanda social de conocimientos insatisfecha acerca de cómo son y cómo deben ser las relaciones del Estado con las OES. En particular, el análisis y debate público de las relaciones que se han desarrollado en Venezuela entre las OES y el Estado, es un campo de interés y significación para distintos actores de nuestra sociedad y otras partes del mundo. En el marco de las profundas aspiraciones de cambio sociopolítico y de búsqueda de alternativas de inclusión y participación socioeconómica de la mayoría del país, se ha desarrollado una multiplicidad de iniciativas generadas tanto desde diversos órganos del Estado como de grupos de la población, destinadas a la producción de bienes y servicios bajo formas asociativas y cooperativas. El Estado venezolano ha dedicado un gran volumen de recursos, ha aprobado un conjunto de normativas y ha creado diversas nuevas instituciones, cuyo objeto de atención ha sido básicamente las OES. El carácter, objetivos perseguidos y resultados de la masiva promoción estatal de las OES que se ha impulsado en la última década en el país, constituyen un objeto de estudio con distintas representaciones sociales de gran controversia en la sociedad venezolana, dadas las diversas y contradictorias interpretaciones sobre el verdadero alcance e impactos de tales políticas públicas. Se discute acerca de las orientaciones ideológicas de tales políticas y de su coherencia y direccionalidad de cara al logro del desarrollo endógeno y del avance hacia una sociedad socialista; igualmente sobre la sostenibilidad de las OES, conformadas, de sus capacidades reales para la producción de bienes y servicios, sus verdaderos aportes a la solución de los problemas de empleo y abastecimiento en las comunidades y sobre su autonomía como entes socioproductivos con una dirección propia no tutelada. Las relaciones de trabajo que se desarrollan al interior de tales OES, que pueden definir el carácter liberador o reproductor de la explotación del trabajo, es también un área de investigación y debate en desarrollo. De la misma forma se reflexiona acerca de las relaciones que pueden haberse establecido entre las nuevas OES y aquéllas existentes históricamente en el país. El centro de la reflexión y el debate que aspira propiciar el II Simposio Internacional CIRIEC Venezuela y X Simposio Nacional de Economía Social gira en torno a las relaciones del Estado con las OES, la naturaleza e impacto de sus políticas hacia las OES y los retos y perspectivas futuras de tales relaciones. Igualmente se desea estimular la discusión acerca de las percepciones, opiniones e iniciativas adoptadas por los actores de las OES existentes históricamente en el país sobre las políticas públicas dirigidas a este segmento de la sociedad, sobre el rol del Estado en este campo y en relación al tipo de relación que se ha establecido entre el Estado y las OES. En esta dirección el Simposio persigue estimular el examen y el debate tanto de los procesos de formulación de las políticas públicas como del contenido de las mismas y de sus alcances e impactos en las propias OES, en las comunidades en las cuales se encuentran insertas y en la sociedad en general. OBJETIVOS  Propiciar el análisis y el debate sobre la naturaleza, alcance y resultados de las políticas públicas de promoción de la Economía Social en general y de las Cooperativas en particular en Venezuela.  Examinar los tipos de relación entre el Estado venezolano y las OES, considerando las motivaciones de los actores involucrados para el establecimiento y desarrollo de tales relaciones, los mecanismos de vinculación establecidos y los logros y limitaciones de las mismas.  Debatir acerca de los efectos e impactos de las políticas públicas de promoción de la Economía Social y Cooperativa en Venezuela, tanto sobre la organización y funcionamiento de las nuevas OES como sobre las existentes históricamente.  Reflexionar sobre los alcances y limitaciones de las OES promovidas bajo las políticas públicas de promoción de la Economía Social y Cooperativa en Venezuela, en la producción sostenible de bienes y servicios.  Discutir acerca del impacto de las nuevas OES sobre las necesidades y aspiraciones de las comunidades en las cuales se encuentran insertas.  Explorar las formas de contratación por parte de entes del Estado venezolano de OES, los resultados alcanzados y la sostenibilidad de tales organizaciones y relaciones.  Evaluar los tipos de relaciones de trabajo que se generan al interior de las OES, examinando la calidad, protección social, formas de distribución de los excedentes y estabilidad del trabajo. TEMARIO  Orientaciones ideológicas, medidas y resultados de las políticas de promoción de la Economía Social y Cooperativa por parte del Estado venezolano.  Naturaleza, características y efectos de los instrumentos legales de promoción de las OES aprobados y aplicados en el país.  Políticas de financiamiento para las OES: orientaciones, formas de implementación, resultados e impactos sobre las OES, sobre los Núcleos de Desarrollo Endógeno y sobre las comunidades.  Análisis comparativo de las formas legales de la economía popular y de las monedas comunales o complementarias y grupos comunitarios de trueque.  Procesos y mecanismos de formulación de las políticas de promoción de la Economía Social y Cooperativa por parte del Estado venezolano y formas de participación de las OES en los mismos.  Naturaleza y características del seguimiento y supervisión del Estado venezolano sobre las OES y cumplimiento de los principios cooperativos.  Alcances, efectos e impactos de las políticas de promoción de la Economía Social del Estado venezolano sobre las OES en general y en particular sobre las cooperativas, las comunidades de referencia y la sociedad en general.  Formas de contratación del Estado venezolano a las OES: tipos, características, modo de elaboración y efectos de tales contratos sobre las OES y sobre la población trabajadora de los entes del Estado contratantes.  Relaciones de trabajo predominantes en las OES, sobre todo en las Cooperativas de Trabajo Asociado: calidad, protección social y estabilidad del trabajo  Conservación ambiental y sustentabilidad del desarrollo a partir de las prácticas de las OES y las políticas públicas de promoción de las OES.  Análisis comparativo de experiencias de relación de OES con el Estado en otros países y en Venezuela. PARTICIPANTES Para el X Simposio Nacional de Economía Social se invita a: • Profesores y estudiantes de Universidades y otras Instituciones Educativas que desarrollen investigaciones y/o Programas de capacitación y de Extensión en Economía Social en Venezuela y en otros países. • Actores de las Organizaciones de Economía Social, particularmente los Comités de Educación de las cooperativas y centrales de integración, directivas de cajas de ahorros e institutos de previsión social de gremios de instituciones de Educación Superior, voceros de Cajas de Ahorro, Bankomunales y Bancos Comunales. • Representantes de organismos públicos y organizaciones no gubernamentales relacionadas con la promoción de la economía social y la investigación aplicada. Particularmente representantes de Ministerio de Educación Superior, Ministerio de Economía Comunal, Ministerio de Ciencia y Tecnología, Superintendencia Nacional de Cooperativas, INAPYMI. • Editores de publicaciones en el campo de la educación cooperativa y la Economía Social. NORMAS DE LAS PONENCIAS ORALES Y CARTELES: 1. Los trabajos deben estar vinculados directamente a la temática del Simposio. 2. Deben apoyarse en datos de investigaciones inéditas o aportar elementos de reflexión susceptibles de enriquecer la investigación o la práctica. 3. No deben exceder de 20 páginas a doble espacio, letra TIMES NEW ROMAN, tamaño 12 y en papel tamaño carta. 4. La portada de los artículos debe contener: a)el título, b)el nombre del ó de los autores, c)el resumen en español y en ingles, que será de 8 a 10 líneas d) Cinco palabras claves en español y en inglés, e) un breve currículo del o de los autores, con su dirección institucional y dirección para correspondencia. 5. Las citas deben realizarse en el texto, indicando entre paréntesis el nombre del autor, seguido de una coma, del año de publicación, y en el caso de citas textuales se añadirá dos puntos con el número de la página citada, como en el ejemplo siguiente: (Touraine, 1997:14). 6. Colocar las notas al pié de página. 7. Los carteles deberán tener las siguientes dimensiones: 60*180 8. La bibliografía, que se colocará al final del texto, debe contener todas las referencias contenidas en el texto y limitarse a las fuentes citadas en el trabajo. Debe presentarse en orden alfabético, cronológicamente si hay varias obras de un mismo autor; si un autor tiene más de una publicación en un mismo año, se ordenan literalmente (por ejemplo: 1998a y 1998b). • Cada referencia debe presentarse en el orden siguiente: Apellido del autor, nombre, año de publicación entre paréntesis, título del libro, editorial y lugar de publicación. • Los títulos de libros y revistas deben escribirse en itálicas, pero los títulos de artículos y de capítulos de libros deben ponerse entre comillas. 9. Se debe limitar la presentación de cuadros y gráficos a los esenciales para la comprensión del texto. Deben presentarse en hojas aparte, y debe indicarse su lugar de inserción en el texto. Los trabajos serán sometidos a revisión siguiendo las exigencias para publicación de artículos en revistas científicas. Los mejores trabajos, a juicio de árbitros, podrán ser publicados en CAYAPA. Los trabajos deben enviarse a las siguientes direcciones electrónicas:  nefreitez@yahoo.es  maestria@ula.ve  ciriec@ula.ve. ACREDITACIÓN. Se entregarán certificados avalados por las instituciones convocantes. FECHAS DE ENVÍO DE RESÚMENES Y TRABAJOS COMPLETOS.  Recepción de Resúmenes de Trabajos hasta 31 de Julio de 2009.  Respuesta sobre Aceptación de Trabajos hasta el 14 de agosto de 2009.  Entrega de Trabajos completos hasta el 18 de octubre de 2009. COMITÉ ORGANIZADOR: Coordinación General: Prof. Nelson Freitez, UCLA. (nefreitez@yahoo.es) Prof. José Gregorio Contreras. Coordinador de Extensión y Cooperativismo. Decanato de Administración y Contaduría. Universidad Centroccidental Lisandro Alvarado (josegcontreras66@gmail.com) Sr. Alfonso Olivo. Consejo Cooperativo Regional del estado Lara (leconorproyectos@hotmail.com) Sr. Alberto Mendoza. FECOSEVEN Prof. Madeleine Richer. CAYAPA (madeleine.richer@gmail.com) Prof. Mario Fagiolo. CIRIEC Venezuela (mariofagiolo@cantv.net) Prof. Ramón Lameda. CIRIEC Venezuela (ramonlameda@gmail.com) Prof. Alberto García Muller. Universidad de Los Andes (amuller@ula.ve ) Prof. Benito Díaz. Universidad de Los Andes (maestria@ula.ve) Prof. Fernando Aponte. Universidad Valle del Momboy (fernandoaponteg@yahoo.es) Prof. Leonardo Arguello. Universidad de la Fuerza Armada (leoarguello@gmail.com) Prof. Emily Kawano. Centro de Economía Popular, Universidad de Massachusetts (emily@populareconomics.org) Prof. Juan Álvarez. Universidad Cooperativa de Colombia. Asistencia. Shykiu Rangel Carrillo (shykiuart@gmail.com) INSCRIPCIONES. Participantes Ponentes (BsF.) Asistentes Profesionales 200,00 100,00 Cooperativistas y Estudiantes ULA, UCLA y Miembros del CIRIEC, 50,00 30,00 Estudiantes en General 100,00 50,00 Los participantes deben depositar en la Cuenta Corriente de FUNDAIDEAS en BANFOANDES, Nº 0007-0012-61-0000039476. Enviar copia del comprobante de depósito por fax al Teléfono 0058-(272) 2362177 o por correo electrónico a (nefreitez@yahoo.es) ciriec@ula.ve, maestria@ula.ve INFORMACIÓN.  maestria@ula.ve, 0272-5111985, Telefax: 0272-2362177.  www.ciriec.ula.ve.www.saber.ula.ve/eventos.  extensiondac@ucla.edu.ve 0251-2591474, Telefax 0251-2591474 PROGRAMA TENTATIVO. El programa definitivo se informará una vez organizados los trabajos que hayan sido aceptados. El Simposio incluye las siguientes actividades: Fecha Horario Actividad Jueves 05 Mañana Ponencias en UCLA. Apertura. Expoventa de revistas, videos, libros y productos de OES Tarde Visita a experiencia de Presupuesto participativo con Consejos Comunales en Carora, Municipio Torres Viernes 06 Mañana Ponencias en UCLA Tarde Visita y participación en Feria Cooperativa de CECOSESOLA Sábado 07 Mañana Ponencias en UCLA. Propuestas de investigación. Presentación de red norteamericana de economía solidaria. Libros. Tarde Visita a Experiencia de Cooperativa de Caficultores Red de Comercio Justo y Municipalidad Hermana con Madison, Wisconsin, USA, en Sanare. Noche Cultural Domingo 08 Mañana Asamblea de CIRIEC Venezuela

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Da decomposição do trabalho

Franz Schandl Tradução: Pedro Lavigne “Diz-se que essas pessoas seriam tão esforçadas quanto uma imensa quantidade de abelhas. Ergo summ. Diz-se que elas estariam sempre labutando, matando-se de trabalhar, apressando-se. Antes disso, elas não poderiam descansar. Para resumir, diz-se que no trabalho estaria seu sentido de viver. Diz-se também que é dito que se disse que elas obram como possessas, não descansariam, porque sempre haveria algo para fazer. Hesíodo diz: trabalho não corrompe. E Benn diz: trabalho significa elevação à forma espiritual. Sinto que o trabalho é uma necessidade do homem tanto quanto comer e dormir, diz Humboldt. Diz-se também que é dito que se disse que elas obram como possessas, não descansariam, porque se diz que sempre há algo a fazer. Quem não trabalha também não deveria comer, diz-se. Ora et labora. Trabalho liberta. O trabalho, diz-se, é que tornaria a vida doce.” (Franzobel 1995, p. 27). Todos falam de trabalho. Mas falam todos de algo que entendem? O fundamento desse falatório é um conceito ontológico de trabalho, que tenta englobar tudo que de alguma forma cai na área de sua atividade. A afirmação que “Trabalho é um conceito central da existência humana, assim como liberdade ou morte ou amor” (Schwarz, 1997, p.19) é plausível, mas errada. O termo trabalho, após sua consolidação, tenta agora se expandir cada vez mais espacialmente e também temporalmente. A conceituação, no entanto, perdeu a orientação. Uma vez colocada no mundo, agora o mundo é que deve ser tornado idêntico a ela. O assalto colonialista do presente contra o passado e o futuro se parece com uma observação naturalista. O que para o homem pré-moderno era Deus, para o homem moderno agora é o trabalho. É para ele que se deve sacrificar-se e sobrecarregar-se. Até mesmo em publicações interessantes, como na antologia organizada por Ina Paul-Horn, “Transformações do Trabalho”, podemos ler: “Trabalho significa uma atividade na qual ação atual se dirige de forma planejada a uma finalidade futura” (Berger/Paul-Horn 1997, p.133). Se isso significa trabalho, então o que um conceito de atividade ou de obra pode englobar fora desse conceito de trabalho? Parece que nada mais. A associação de trabalho foi englobada sem qualquer diferenciação no conceito de atividade. Então, andar de bicicleta também é trabalho, pois o pedalar (= atividade atual planejada) realiza uma desejada mudança de localidade (= finalidade futura). Parece que isso agora é chamado de “trabalho de movimentação”. Se eu discuto de forma exaltada (= atividade atual planejada), para eliminar do mundo uma briga (= finalidade futura), então isso é trabalho, e hoje é chamado de “trabalho de relacionamento”. Além disso, o que são atividades que não se dirigem a uma finalidade futura? Significa isso que o resto da atividade, que é um não-trabalho, são atividades sem finalidade? Mais além: qual é o conteúdo da finalidade perseguida? O indivíduo burguês, de tanto trabalho, não enxerga mais a diferença. Para ele, provavelmente tudo é igual. Trabalho é trabalho. O que é trabalho, no entanto, não é esclarecido de forma alguma. Quanto mais se vê trabalho em toda parte, tanto mais não se tem conhecimento. Rendevouz cabaretista Do trabalho de luto ao trabalho de relacionamento, do trabalho de cuidar ao trabalho de educar, tudo deve ser e querer ser trabalho. O fato de luto talvez ser luto, educação talvez ser educação, parece esquecido. Quanto mais precário for o trabalho, tanto mais ele faz joguinhos ideológicos; sim, ele se encrua em toda a linguagem e faz nascer uma besteira atrás da outra. Como um vírus, ele se movimenta por toda a terminologia corrente, e todos parecem contaminados, ruminam o indigestível, como se isso fosse natural. A expansão agressiva e a veemência de seus diferentes propagandistas chamam a atenção. Quanto menor o conteúdo real do conceito de trabalho, tanto mais ele floresce no mundo das idéias. O cabaretista Werner Schneyder recentemente tocou no ponto da questão. Segundo seu deboche, “o homem não tem somente um ´direito ao trabalho`, ele tem também um `direito ao dinheiro`, ou seja, à participação nos lucros, à sua parte no produto interno bruto. O termo ´auxílio-desemprego` é uma insolência ideológica. Deveria se chamar ´honorário de utilização do tempo livre`. (…) Há inúmeras maneiras, e socialmente importantes, de se compreender tempo livre como tempo de trabalho. Comecemos com o corpo humano. O cuidado com ele – penteado, fazer a barba, cosmética – é trabalho, um serviço aos outros, pois suas vistas são tornadas mais bonitas através da aparência de cada um. O mesmo vale para passar as calças a ferro, limpar os sapatos, tirar as manchas da roupa, cuidar dos canteiros de flores, da grama, da fachada da casa – exigem trabalho, são trabalho. O ato de ler, com o objetivo de aquisição de informações ou de conhecimento, é trabalho. Aprender um instrumento musical, para proporcionar alegria não só a si mesmo como às outras pessoas, é trabalho. O ato de causar alegria com a música do instrumento após tê-lo aprendido é trabalho. A conversa, a discussão para a formação de opiniões é trabalho” (Schneyder 1998, p. 306). Nós completamos: escovar os dentes é trabalho. E trocar as meias. E andar de barco. Por que não deveríamos ser sustentados para isso? E fazer visitas? A pergunta agora é: paga quem visita ou quem é visitado, o estado nacional ou a União Européia? E se aqueles que se encontram em um bar dividem entre si o trabalho de locomoção? E por que não também beijar, fazer carinho e fazer sexo? Nesse caso, é trabalho de divertimento. Ou será que o trabalho acabou em alguma parte? Será que no sono? Não, isso é agora trabalho de sono. Tudo o que é, é trabalho. Existência tem que ser trabalho, assim é o enunciado do primeiro mandamento universal no livro de orações ocidental, que está acima das confissões. Um engano fundamental da contemporaneidade é que nós só podemos compreender nossa atividade enquanto trabalho. Essa ausência de medida subsume todas as atividades sob a categoria de trabalho. A categoria ficou louca, ela toma de assalto substantivos inocentes. Ela cresce como um câncer. Do chanceler ao artista: todos falam de trabalho. Mesmo muitos críticos figuram como transmissores complacentes de todos esses. Trabalho como abstração O que têm em comum atividades como fazer pãezinhos, varrer as ruas, supervisionar presidiários, cuidar de doentes, vender frutas, ordenhar vacas, escrever artigos, transportar dinheiro e atirar bombas? O fato de serem reconhecida como trabalho remunerado, de haver dinheiro em troca delas. Todas podem ser expressas em euros. Se elas não podem, então, apesar de todo o esforço, não constituíram trabalho, pois elas não foram incluídas na valorização. Do ponto de vista do valor, a mesma atividade pode ser trabalho ou não. Isso depende de sob qual constelação ela se desenvolve socialmente. De qualquer forma, o caráter específico da atividade não pode ser englobado por uma sensibilidade extra-monetária. Contra o bom senso, deve-se pôr por escrito: trabalho é atividade relacionada ao mercado para fins de valorização. Trabalho deve se qualificar e quantificar para o mercado. O trabalho assim decifrado não é uma grandeza ontológica, mas uma necessidade historicamente limitada. Portanto, quando aqui se fala de trabalho, está se falando de trabalho para ganhar a vida. Na língua alemã, a diferenciação de grande sentido entre trabalho(ar) e obra(r) perdeu-se ao longo dos séculos. O trato com a categoria “trabalho”, portanto, é extremamente problemático, pois, ao contrário, por exemplo, da língua inglesa, não há diferenciação entre “work” e “labour”. Há muito a fazer, de fato. O que está acabando é o trabalho remunerado. Por que acreditamos piamente que ele permanecerá? A resposta simples é que nossa existência depende de nossa renda. Que desta forma o trabalho parece ser uma necessidade existencial. Não conseguimos imaginar uma vida sem ele, nem podemos. Tudo aquilo que hoje aponta para além da economia de mercado é desacreditado como alucinação, não importa o quão precária seja a situação do indivíduo burguês. Uma despedida positiva de trabalho, dinheiro e valor parece ser uma criação totalmente utópica da mente. No entanto, em uma forma negativa, essa despedida tem conseqüências destruidoras sobre os afetados, nesse instante. Comer é uma necessidade incondicional, mas a de ter dinheiro é uma necessidade socialmente determinada. Apesar disso, para os sujeitos modernos trabalho e dinheiro são o que era Deus para as pessoas da Idade Média: o fetiche supremo. “Trabalho existe como necessidade”, poderíamos dizer, utilizando livremente a fórmula de Spinoza. E o mesmo em relação ao dinheiro. Mas esse princípio ocidental de ora et labora está seriamente abalado, e isso em todas as suas variantes, do protestantismo ao socialismo. Cruzadas ou frentes de trabalho não adiantam mais. Capital ama trabalho Trabalho não é um termo fisiológico, mas uma categoria real social. Sua ascensão é paralela à de iluminismo e capitalismo. Tudo aquilo que hoje nos é tão familiar – democracia, direito, Estado de Bem-Estar Social, nação, contrato, mercadoria, mercado etc. – pertence ao mesmo contínuo histórico e não pode ser separado dele, apesar de isso sempre ser tentado. Seu histórico de ascensão e decomposição é o mesmo, ainda que possa haver diferenças temporais em sua formação e seus desenvolvimentos. O porquê de tanto burgueses quanto proletários se identificarem com o trabalho é determinado socialmente: eles, enquanto “partículas de capital” constantes ou variáveis (Marx 1969a, p.223-224)1 não são nada mais que formas dinâmicas de existência do trabalho. Eles acertadamente identificam-se consigo mesmo, com sua determinação objetiva. O trabalho sou eu, declaram empregadores e empregados. Capital ama trabalho, pois ele próprio é trabalho. Trabalho morto, que se apropria de trabalho vivo e assim se valoriza. Sem trabalho não há capital. A relação de capital não é nada mais que a máquina de acumulação do trabalho. Capital e trabalho, portanto, não formam uma contraposição antagônica, mas o bloco de valorização da acumulação de capital. Quem é contra o capital tem que ser contra o trabalho. Adestramento ao trabalho foi um dos objetivos declarados da modernização ocidental. Autodeterminação e coação ao trabalho podem ser encaradas como grandezas complementares. Mesmo que, por exemplo em Kant, a categoria trabalho de forma alguma pertencesse às categorias centrais, mas aparecesse apenas em sua conceituação embrionária, todo o programa do trabalho já se encontrava em seu pensamento. O capítulo “Da sensação de prazer e desprazer” de sua antropologia (Kant 1977, p.549-579) ensina em tom de conselho de quem entende do assunto: “Jovem! (eu repito) tenha amor pelo trabalho; negue-se divertimento, não para abrir mão dele, mas para tê-lo em perspectiva o máximo possível” (p.559). Trabalho é religião secularizada: a promessa do além do trabalho deveria se realizar somente lá, no além. No aqui e agora, no entanto, dever-se-ia trabalhar. Disso resulta que trabalho não é o prazer realizado, mas a perspectiva de realização do prazer pelo amor ao desprazer. Disciplina significa querer sofrer por aquilo que faz sofrer. E é isso, também, que o trabalho desperdiçador de vida promete: quem se esforça muito pode no futuro permitir-se muito! É um imperativo que é exigido dos membros da sociedade moderna. “Primeiro trabalho, depois prazer”, assim a sabedoria popular traduziu a máxima kantiana para a linguagem do dia-a-dia. O imperativo categórico tornou-se um indicativo obrigatório, que, enquanto obviedade apriorística, não precisa nem mais emergir como comando. Ganha-pão. Ocupação. Emprego. Serviço. Trabalho é a vassalagem espontânea. O fato de nós termos que ganhar dinheiro significa que devemos servir. Através do trabalho remunerado, somos os servidores da valoração. Se alguém ganha isso ou aquilo, e principalmente quanto alguém ganha, tornou-se uma questão primordial nas conversas do cotidiano, mas também é um segredo bem guardado. O sujeito burguês, adestrado ao ordenamento jurídico, obrigatoriamente pergunta se a pessoa em questão realmente merece o que ganha, mesmo que ele próprio sempre queira ganhar mais do que lhe caberia conforme seu próprio raciocínio. Não é da conta de ninguém, mas todos gostariam de saber. Nessa esquizofrenia coletiva, a suspeita mútua cresce e floresce. Renúncia é abrir mão da existência Ter que trabalhar é um sinal de vassalagem, disse Hegel de forma completamente clara aos seus ginasiais de Nürnberg, e alguns têm até hoje decorado: “O vassalo tem um si-mesmo estranho dentro de si e é sua vontade externa; o senhor relaciona-se com as coisas através dessa sua vontade externa. Como vontade por si mesmo existente, ele se comporta contra elas como um desejo consumidor; o vassalo, porém, como vontade não por si mesmo existente, se comporta como trabalhador e formador” (Hegel 1986a, p.81). Trabalho significa tornar-se igual a uma coisa, coisificar-se (p.82). Ser trabalhador significa desapropriação de si mesmo: “Através da renúncia de todo o meu tempo, concretizado pelo trabalho, e da totalidade de minha produção, eu tornaria propriedade de outrem o substancial do mesmo, ou seja, minha atividade e realidade gerais, minha personalidade” (Hegel 1986b, p.144-145). O ditado “ser senhor de si mesmo” não é tão errado. Só se é senhor de si mesmo se não se trabalha sob o comando de outrem. Mas ser senhor de si mesmo também significa que se deve comandar a si mesmo para corresponder ao mercado. Na economia de mercado só se é o senhor de si mesmo quando se é vassalo de si mesmo. Senhor e vassalo, portanto, são figuras aproveitáveis somente de forma limitada, pois elas rapidamente pressupõem a autodeterminação dos comandantes e, com isso, esquecem a determinação sobre os mesmos comandantes. “Mas esse mundo é existência espiritual, ele em si é a interpenetração do ser e da individualidade; essa sua existência é a obra da consciência de si; mas é também uma realidade imediatamente presente, estranha a ele, a qual tem um ser próprio e na qual ele não se reconhece. Ela é a existência exterior e o conteúdo livre do direito; mas essa realidade exterior, a qual engloba em si o senhor do mundo do direito, não é essa existência elementar casualmente existente para o si mesmo, mas ela é seu trabalho, mas não positivo – ela é seu trabalho negativo. Esse mundo recebe sua existência através da própria externalização e esvaziamento da consciência de si, a qual parece constrangê-lo com a violência externa dos elementos à solta, que vige na desolação do mundo do direito. Em si, eles são somente a pura destruição e dissolução de si mesmos; essa dissolução, no entanto, essa sua existência negativa, é o si mesmo, ela é seu sujeito, sua atividade e seu devir” (Hegel 1986c, p.360). Esse seu estranhamento é a pura consciência ou existência (p.361). O sujeito, que se define por se subjugar ao trabalho, é objeto de uma tortura exterior e onipotente. Ele só toma existência porque ele não consegue se colocar positivamente por conta própria, mas somente negativamente através do trabalho. Externalização do trabalho significa o homem abrir mão de sua existência. Autodeterminação significa determinação externa, e não conhecida, mas reconhecida. A essência do capital tem na permanente renúncia do homem à sua existência sua própria condição de existência. Seu bem-estar, sua saúde, sua sociabilidade amigável não são meios ou objetivos primários, mas na melhor hipótese acréscimos conquistáveis. O indivíduo burguês é, em verdade, “um ser humilhado, um vassalo, um ser abandonado, um ser desprezível“ (Marx 1970, p.385). Ambivalências marxianas A atitude de Marx em relação ao trabalho era muito ambivalente, mesmo que deva ser admitido que ele próprio (principalmente em “O Capital”) tendia à ontologização, ao caracterizá-lo como condição supra-histórica. “O trabalho é primeiramente um processo entre homem e natureza, um processo no qual o homem intermedia, regula e controla seu metabolismo com a natureza através de sua própria atividade. Ele próprio se apresenta ao material natural como uma força da natureza” (Marx 1969a, p.192). O processo do trabalho, para ele, é “uma condição geral do metabolismo entre homem e natureza, eterna condição natural da vida humana e conseqüentemente independente da forma dessa vida, mas comum a todas as formações sociais” (p.198). Marx tentou corresponder aos aspectos de sua meta-categoria “trabalho” ao dar atributos à categoria com relativa freqüência, dos quais destacamos a diferenciação entre trabalho concreto e abstrato. Engels chega ao ponto a ressaltar, na nota de rodapé à quarta edição de “O Capital”, que a língua inglesa tem a vantagem de diferenciar entre work e labour (pgs. 61-63). Acerca do problema da categorização, Marx escreve nos “Grundrissen”: “Esse exemplo do trabalho demonstra de forma convincente que mesmo as categorias mais abstratas constituem elas próprias, em função da assertividade dessa abstração, produtos de condições históricas, apesar de sua validade para todas as épocas – validade exatamente por causa de sua abstração. Demonstra que elas possuem sua validade total somente dentro dessas suas condições históricas” (Marx 1983, p.39). Entretanto, há também passagens notáveis que excluem qualquer entendimento ontológico. “Constitui um dos maiores enganos falar de trabalho social humano livre, falar de trabalho sem propriedade privada. O `trabalho´ é, por sua própria natureza, a atividade não-livre, desumana, não-social, condicionada pela propriedade privada e criadora da propriedade privada. A abolição da propriedade privada, portanto, só se torna uma realidade se ela é compreendida como abolição do trabalho” (Marx 1972, p.24). E também na muito citada “Ideologia Alemã” escrevem Marx e Engels que os proletários, “para se fazer valer pessoalmente, suspendem sua atual condição de existência, que ao mesmo tempo também é a de toda a sociedade até hoje existente, que vem a ser o trabalho” (Marx/Engels 1969b, p.77), que a “revolução comunista se volta contra a atual espécie de trabalho, abole o trabalho e assim suspende o domínio de todas as classes e abole as classes em si (…)” (ibidem, pgs. 69-70). Aqui é dito expressamente: todo trabalho é atividade, mas nem toda atividade é trabalho! Movimento Operário como Movimento do Trabalho O marxismo de movimento operário, em sua visão do trabalho, nunca foi além do manuscrito de Engels “Participação do Trabalho na Humanização do Macaco” (Engels 1969, pgs. 444-455). “Viva o trabalho”, assim é de fato o refrão da até hoje cantada “Canção do Trabalho”. Formulações desse tipo eram comuns, havia até muito piores. “O Salvador dos tempos atuais chama-se organização consciente e planejada do trabalho social” (Dietzgen 1930, p.103) proclamou, por exemplo, Josef Dietzgen, um dos mais conhecidos propagandistas social-democratas da segunda metade do século XIX. E havia também um correspondente bolchevista. Ninguém menos que Anatoli W. Lunatscharski, posteriormente comissário para educação, escreveu em 1908 que a questão era a criação de uma religião “sem Deus” e o estabelecimento de uma “religião do trabalho” (História do partido Comunista da União Soviética, vol. 2, p.307). Também Josef Stalin dizia que a tarefa dos bolcheviques era “desenvolver a filosofia de Marx e Engels no espírito de J. Dietzgen” (ibidem, p.308). O trabalho tornou-se a religião do movimento operário. O trabalho é o louvado. “O principal é que você tenha um trabalho” é hoje um ditado comum. Em tempos como esse, isso se torna ainda mais forte, para a maioria das pessoas o principal é arrumar um emprego em algum lugar. As pessoas estão dispostas a engolir inúmeras humilhações em nome de um emprego seguro, até mesmo para uma colocação qualquer. O principal é ter trabalho. Desta forma, o movimento operário se tornou um movimento da luta pelo trabalho. Isso ele é até hoje – pelo menos o que restou dele. Marasmo do trabalho Hoje se fala com razão em uma crise estrutural do trabalho: “O postulado do emprego para todos será cada vez menos realizável na medida em que o nível tecnológico da sociedade crescer. Quando certos políticos centro-europeus afirmam quererem subir o nível tecnológico de seus países para assim poderem oferecer emprego a todos, então eles são incapazes de pensar ou estão enganando o povo” (Anders 1980, p.99). O que não significa necessariamente uma contradição. “De fato, os produtos chamados `postos de trabalho´ são tão importantes que políticos incapazes de organizá-los ou inventá-los podem ir para casa. Não existem políticos que não prometeram emprego. E também não há os que tivessem uma resposta para a dialética de hoje, que seja o crescente nível tecnológico e a decrescente necessidade de trabalhadores e postos de trabalho” (Anders 1989, p.41). Contrariamente à tendência majoritária, deve-se ressaltar: inimigo dos trabalhadores é aquele que quer mantê-los em sua condição de trabalhadores, e não aquele que quer libertá-los da vassalagem do trabalho. O trabalho sofre de marasmo. Ele devora sua própria força de trabalho e perdeu a capacidade da regeneração geral. O fato de o trabalho não impedir uma queda na estratificação social nem mesmo nos países do centro capitalista é provado também pelos salários baixos. Working poor é mais que um tópico, é a amarga realidade para muitos possuidores de postos de trabalho. O campo do trabalho está igual a uma enfermagem global ou a um necrotério. Falta de existência própria transforma-se em apodrecimento. O chanceler austríaco Viktor Klima, desta forma, não é nada mais – para citar livremente Hegel ou Nestroy – que o apodrecedor local do trabalho. Libertação do trabalho e desemprego Nos mercados, devemos nos relacionar uns com os outros em concorrência e não regular nossas necessidades em apoio mútuo e solidariedade. Nós não estamos aí uns para os outros, mas devemos nos guerrear mutuamente. Se a concorrência antigamente era uma medida necessária para, idealmente e materialmente, tirar as pessoas da vida limitada da lavoura, um princípio dinâmico sem igual, ela hoje se tornou um fim em si. “A norma guia do sistema econômico vigente chama-se concorrência opressora expansiva. Ela permite que perguntas por sentido e divagações sejam submetidas a um cálculo de vantagens extremamente simplista: o que consegue se impor, está certo; aquele que perde na concorrência com isso provou-se errado” escreve Erich Kitzmüller (Kitzmüller 1997, p.174). Por falta de possibilidades de expansão, a concorrência destrói a si mesma. Mas isso significa também: quanto melhor setores parciais (ramos de negócio, regiões etc.) conseguem se impor na concorrência e assim também criar postos de trabalho, tanto mais esses postos de trabalho são abolidos em outra parte. Concorrência pela localização de indústrias é uma grandeza eliminatória. Estar desempregado significa não ser competitivo enquanto força de trabalho. E isto está ligado à queda na estratificação social. Sem dúvida, o desemprego é um pavor. Mas esse pavor é causado pelo trabalho, não pela inatividade. Se desemprego causa sofrimento então deve sempre lembrar que o desemprego é um componente subordinado do próprio trabalho e não o seu contrário, como ele pode parecer superficialmente. Desemprego significa desvalorização e isso em uma sociedade na qual o valor é a lei predominante. Psiquicamente, os excluídos vivenciam um verdadeiro choque de desvalorização. Não por acaso as palavras valor (Wert) e dignidade (Würde) provêm do mesmo termo gótico (vairths), como Marx já havia ressaltado (Marx 1969c, p.372). Desemprego se apresenta como vergonha, como fraqueza, como incapacidade, como ausência de valor. E assim também ele deve ser pensado nessa sociedade. Os atingidos por ele estão marcados. São chamados de casos sociais. Sem alternativas sociais eles facilmente caem em tentação diabólica de procurarem bodes expiatórios, os quais eles diretamente responsabilizam por sua situação. Pois foi nesses parâmetros que eles aprenderam a sentir. A falta de perspectivas sociais dos socialmente desclassificados tem um material explosivo racista. Quando “forças” liberadas não sabem o que eles devem fazer com seu tempo, então eles demonstram o quanto eles se renderam ao culto do trabalho. Eles de fato identificaram sua vida com o trabalho; sem ele, a vida parece vazia e sem sentido. A frase absurda “o trabalho resume a vida” não está somente certa como certa está também seu segundo significado implícito: aniquilação. Trabalho não significa realização da vida, mas fadiga da existência. Tempo de trabalho é tempo de vida roubado. O fato de postos de trabalho, onde eles se mostram supérfluos, serem louvados e mendigados, o fato de não se poder alegrar onde deveria haver alegria, é grotesco de uma forma sem igual. E grotesco na economia de mercado, ressalte-se. Nesse caso, deve-se ater-se ferreamente a Nestroy e ser contra isso: “Não, trabalho eu não exijo mais, pois isso seria supérfluo e eu só posso exigir o necessário” (Nestroy 1975, p. 189). Fatalismo não está na ordem do dia. Não se trata de aceitar as devastações capitalistas ou até de afirmá-las e propagandeá-las como necessidades naturais. Os desempregados têm razão quando eles protestam contra seu desemprego. Mas eles não podem ficar só nisso. Quem luta contra o desemprego não pode lutar pelo trabalho, que é a causa de seu mal. Isso não é facilmente explicável, pois todos dependem de trabalho se quiserem sobreviver socialmente. Mais fácil de compreender é o pensamento que nasce do senso comum, pelo qual a necessidade do indivíduo deve ser a necessidade da generalidade. Isso é um curto-circuito, de resto muito parecido com aquele pelo qual se pode deduzir a vontade razoável da generalidade dos interesses individuais. Exatamente na superação desses curto-circuitos está um desafio estratégico imenso. Não se pode negar que hoje ninguém sabe como isso pode ser realizado conseqüentemente. Mais urgente parece a formulação correta de perguntas. Auto-desrealização Trabalho é um mal. Trabalho é sofrimento. Trabalho destrói as pessoas psíquica e fisicamente. Antes imprescindível para a subsistência, hoje ele é cada vez mais desnecessário e impossível. Trabalho é auto-desrealização. Ele é feito porque ele traz salário. Não se deve nem mais perguntar pelo sentido da ocupação. Importante é se ele vale a pena, se ele pare lucros, salários, postos de trabalho. As pessoas devem trabalhar. Até a última gota de suor deve-se ater a isso. O trabalho não liberta, ele é a ausência de liberdade por excelência, a coação autoritária à desumanização, o que significa: coisificar-se, vender-se, valorizar-se. Eles não devem desejar nada mais: “Nós queremos ter que trabalhar”, canta o coro dos prisioneiros do trabalho. Mas por que devemos querer? Porque queremos ter que trabalhar! Nossa vontade é lei que nos é imposta. Nós somos dimensionados de forma a não largamos nossa máscara, a qual compreendemos como nossa pele. Os verbos modais não se desintegram, mas integram-se em uma coação que comumente é chamada de liberdade. O trabalho é o agressor da modernidade. E ele está também dentro dos próprios indivíduos. O trabalho não somente caracteriza o homem, o trabalho antes marca o homem. As fábricas, os escritórios, os centros comerciais, as obras: todos são instituições legais para a destruição de substância humana. Nós vemos diariamente os vestígios do trabalho nos rostos e nos corpos. As pessoas laboram no trabalho a eles atribuído mais do que em qualquer outra coisa. Também na indústria cultural de massa tem suas condições não em si mesma, mas nos desmotivantes processos cotidianos das pessoas, principalmente no trabalho remunerado. É nele que se encontram as raízes da estreiteza da mente e do comodismo prático. Ele é o motivo da insensibilidade e falsa serenidade dos indivíduos burgueses. “A empresa é o local onde o tipo do ser humano sem consciência é produzido, o lugar de nascimento do conformista“ diz Günther Anders (Anders 1956, p. 289-290). Trabalho dessencibiliza. Trabalho torna as pessoas tolas. Trabalho é humilhação. É algo que se abate sobre nós, uma assolação, do qual temos que nos defender da melhor forma possível. A alternativa a ele não é a inatividade, mas a construção coletiva de uma atividade que faça sentido nas mais diversas áreas. A ausência de trabalho não tem como conseqüência a inatividade ou mesmo uma inutilidade. Pelo contrário: a superação do trabalho é a pré-condição da generalização da criatividade. Ela é libertada de sua condição de existência marginal. Comunismo não pode ser nada mais do que se doar um ao outro em toda sua criatividade. Não foi o trabalho que fez o homem avançar, mas a atividade plena de espírito. Foi e é a atividade, que se acentuou socialmente nas mais diferentes formas, que conseguiu romper os ciclos obrigatórios e permitiu o surgimento de algo como a (pré-) história, ascensão e progresso – mesmo que se tenha sempre que perguntar sobre sua qualidade. Desvalorização dos valores Enquanto que é geralmente assumido que qualquer trabalho deve (novamente) tornar-se algum valor, nós partimos do princípio de que trabalho se desvaloriza continuamente e que isso, na verdade, é positivo. Isso só se torna negativo porque o desenvolvimento construtivo está ligado a um contexto geral destrutivo e nele tem a sua desgraça. Desta forma, a libertação do trabalho torna-se desemprego. Não se trata da redefinição dos valores (pelo que entendemos todo o contexto negativo do trabalho à liberdade, passando pela democracia) mas somente de que a desvalorização negativa é vista sob uma ótica positiva. O movimento de abolição deve tornar-se um movimento de desvalorização. A luta contra a abstração real trabalho pode perfeitamente ser interpretada como ensaio para uma abrangente campanha pela desvalorização dos valores. Exatamente essa tarefa está na ordem do dia: a deslegitimização no discurso público de conceitos e princípios sagrados. O que é realmente precário deve tornar-se precário também dentro das cabeças. O que está podre deve ser também chamado de podre. Ao invés de fortalecer o engano – como o fazem, por exemplo, as agências de publicidade e à frente de todas a social-democracia – a tarefa é problematizá-lo, miná-lo por baixo e finalmente superá-lo. Blasfêmia “transvolucionária” é o que deve ser feito agora. Ela significa transformar o respeito pelo trabalho em sua proscrição. Tornar desprezível através da crítica da ideologia é seu método, a proscrição de trabalho, valor e dinheiro é seu objetivo. Uma ruptura ou até mesmo uma generalização dessa blasfêmia, no entanto, só é possível se ela de fato corresponder aos desenvolvimentos sociais. De outra maneira, ela até poderia estar certa (o que não seria pouco), mas ela atualmente já teria seu posto perdido. A tarefa não é transformação do trabalho, mas sua transformação enquanto princípio formal social. O trabalho não faz uma transição, ele está afundando. Deve-se atentar para que as pessoas não afundam com ele, mas consigam se emancipar dele e liberar-se de seus grilhões. Campanha contra o trabalho A canção do herói do trabalho está terminando. Apesar disso, ela é entoada mais uma vez como coro de todos os fiéis. Sejam católicos ou socialistas, protestantes ou fascistas, verdes ou liberais, empresários ou sindicalistas, o trabalho os une a todos em uma única procissão ocidental. Os coros rituais que clamam por trabalho não podem ser ignorados. Mesmo que eles cada vez mais tenham algo de fantasmagórico. A questão do momento é exatamente o contrário do que estamos vendo: não uma necessidade de trabalho, mas uma campanha contra o trabalho. Uma campanha que saiba superar as velhas limitações mentais do movimento operário, mas também as das novas iniciativas de desempregados. Perspectiva social e luta social não podem mais se orientar pelos princípios de uma relação positiva com trabalho e dinheiro. Essa quebra de tabu é necessária para permitir a mudança de paradigma. A aposentadoria da categoria trabalho é potencialmente muito promissora, em suas realizações concretas, no entanto, ela é bárbara, porque o progresso se abate sobre as pessoas na forma de desemprego e falta de moradia ou de perspectiva. Por isso, são necessárias novas formas de solidariedade que vão além das exigências por (mais) trabalho e dinheiro. Não se trata de assegurar ou reaver o já conquistado, mas de elaborar um futuro. Necessário é o reconhecimento direto do outro na comunicação. O quem é você? deve vencer a pergunta pelo o que é você? Para que as pessoas possam redefinir-se como elas próprias e não como seu papel burguês. Assim, elas se desfazem de sua persona. O trabalho foi somente um reconhecimento do homem através de um desvio. O consenso direita-esquerda de “criar trabalho” deve ser negado. Deve-se perguntar de forma bem herética: quem deve ter ocupação total e para quê? – Não se deve lutar pelo “direito ao trabalho”, mas por um evidente “direito à vida”. E isso não significa a mera existência, mas profanamente a participação na quantidade de bens e esforços que hoje pode ser produzida globalmente. A frase “nós queremos trabalhar esforçadamente” deve ser substituída pela frase “nós queremos viver bem”. Autoconfiança é exigida e não a requisição de favores. Coragem ao invés de humildade. Entretanto, não se deve contrapor ao direito ao trabalho um direito à preguiça. Deve-se ter em vista uma ociosidade criativa, uma existência produtiva que seja livre da coação à valorização. Vagarozidade e efetividade não se excluem mutuamente. Ociosidade deve ser estabelecida no lugar do dever. O consciente deve substituir o sem consciência. Criatividade e produtividade, atividade e solidariedade estão no centro da práxis futura, sim, até mesmo a palavra profissão, hoje de mau gosto, pode de uma hora para outra reaver sua honra. Sem dúvida: haverá atividade. Mas isso não significa de forma alguma que haverá trabalho. O objetivo é a diminuição do tempo socialmente determinado. Emancipação significa a luta contra a luta pela existência e finalmente sua superação, ao menos no que diz respeito ao seu lado material. Trata-se da passagem da sobrevivência para a vida. Não é nada menos que o abandono da pré-história do homem: “O reino da liberdade só começa de fato quando o trabalho, que é determinado pela necessidade e por exigências externas, acaba; portanto, pela própria natureza da questão, isso está além da esfera da produção material propriamente dita” (Marx/Engels 1969d, p.828). Na ordem do dia está uma apropriação emancipatória do tempo. Para que os contemporâneos possam aproveitar seu tempo. Literatura Anders, Günther (1956): Die Antiquiertheit des Menschen, vol.1: Über die Seele im Zeitalter der zweiten industriellen Revolution, Munique Anders, Günther (1980): Die Antiquiertheit des Menschen, vol. 11: Über die Zerstörung des Lebens im Zeitalter der dritten industriellen Revolution, Munique Anders, Günther (1989): Sprache und Endzeit [Manuskript des dritten Bandes der »Antiquiertheit«]; in: Forvm, Oktober/November 1989 Berger, Wilhelm/Paul-Horn, Ina (1997): Arbeit und Bedürfnisse. Thesen zu einem Interpretationsmodell, in: Paul-Horn, Ina (Hg.), 1997 Dietzgen, Josef (1930): Sämtliche Schriften, vol. 1, quarta edição, Berlim Engels, Friedrich (1969): Dialektik der Natur, MEW, vol. 20, Berlim Franzobel (1995): Die Krautflut. Erzählung, Frankfurt/Main Hegel, Georg Wilhelm Friedrich (1986a): Bewußtseinslehre für die Mittelklasse; in: Werke, vol. 4, Frankfurt/Main Hegel, Georg Wilhelm Friedrich (19866): Grundlinien der Philosophie des Rechts; in: Werke, vol.7, Frankfurt/Main Hegel, Georg Wilhelm Friedrich (1986c): Phänomenologie des Geistes, Werke, vol. 3, Frankfurt/Main Kant, Immanuel (1977): Anthropologie in pragmatischer Absicht; in: Werkausgabe vol. XII, Frankfurt/Main Kitzmüller, Erich (1997): Von der Arbeitsgesellschaft zur Tätigkeitsgesellschaft; in: Paul-Horn, Ina (Hg.) 1997 Lunatscharski, A. (1908): Religion und Sozialismus, Teil I, Petersburg (russ.), apud: Geschichte der Kommunistischen Partei der Sowjetunion, vol. 2, Moskau o. J. Marx, Karl (1969a): Das Kapital, Erster Band, MEW, Bd. 23, Berlim Marx, Karl/Engels, Friedrich (19696): Die deutsche Ideologie, MEW, vol. 3, Berlim Marx, Karl (1969c): [Randglossen zu Adolph Wagners »Lehrbuch der politischen Ökonomie«], MEW, vol. 19, Berlim Marx, Karl (1969d): Das Kapital, Dritter Band, MEW, vol. 25, Berlim Marx, Karl (1970): Zur Kritik der Hegelschen Rechtsphilosophie, MEW, vol. 1, Berlim Marx, Karl (1972): Über Friedrich List, Berlim Marx, Karl (1983): Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie, MEW, vol. 42, Berlim Nestroy, Johann (1975): Das Notwendige und das Überflüssige. Posse mit Gesang in zwei Akten. Bearbeitet von Karl Kraus, II. Akt, 3. Szene; in: Karl Kraus, Nestroy und die Nachwelt, Frankfurt/Main Paul-Horn, Ina (Hg.) (1997): Transformation der Arbeit. Prozeßwissenschaftliche Erforschung einer Grundkategorie, Viena Schneyder, Werner (1998): Anmerkungen eines Solisten; in: Cap, Josef/ Fischer, Heinz (Hg.), Rote Markierungen für das 21. Jahrhundert, Viena Schwarz, Gerhard (1997): Utopien der Arbeit; in: Paul-Horn, Ina (Hg.), 1997 Stalin, Josef o. J.: ZPA des IML, Fonds 558, Liste 1, Dok. 5262, Bl. 2, apud: Geschichte der Kommunistischen Partei der Sowjetunion, vol.2 , Moscou o. J. Nota 1 A denominação partícula de capital é por isso mais clara que capital, pois ela esclarece melhor a imanência constitutiva da partícula de capital em relação à relação de capital, é, portanto, menos fácil afirmar que ao trabalhador é imposta uma função de capital a partir de fora ao invés que ela o constitui por dentro.

Sérgio Lessa: Para entender a essência do capitalismo

Diante da atual crise, “não há o que fazer, a não ser a revolução”, resume sociólogo ao abrir o curso promovido pelo jornal Brasil de Fato sobre Crise do Capitalismo em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), Departamento de Jornalismo da PUC-SP e pelo CEPIS-Instituto Sedes SapientiaeEduardo Sales de Lima “Se o István Mészáros estiver certo, e se o Georg Lukács também estiver, a gente vive o desdobramento final de todas as determinações essenciais do modo de produção capitalista”, defende Sérgio Lessa, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e membro da comissão editorial da revista Crítica Marxista, no seminário “O referencial teórico para entender a crise”, ocorrido no Instituto Sedes Sapientiae, na cidade de São Paulo, no dia 29 de abril. Otimista, Lessa acredita nas novas possibilidades que a atual crise do capitalismo propiciou aos trabalhadores. “A crise é uma relação social”, por isso, segundo ele, o que determina o percurso de uma crise será como a humanidade vai reagir à crise. Abaixo, alguns trechos do seminário, promovido pela Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), Departamento de Jornalismo da PUC-SP e pelo CEPIS-Instituto Sedes Sapientiae, com o apoio do jornal Brasil de Fato e da editora Expressão Popular. Primórdios Primeiramente, a gente tem que ir para a revolução neolítica, há 14 mil atrás. Nessa época, quando a humanidade descobre a agricultura, temos uma profunda transformação no trabalho. Com o aparecimento da agricultura, pela primeira vez, o indivíduo produz mais do que precisa. É o chamado trabalho excedente. Todavia, nesse longo período histórico, que vai de 14 mil anos atrás até a revolução industrial, que começa em 1776 e termina em 1830, o trabalho excedente ainda não é suficiente para atender a todas as necessidades de todos os indivíduos do planeta Terra. Ou seja, não sobra para investir no desenvolvimento das forças produtivas. E o resultado disso é que o único desenvolvimento das forças produtivas possível nessa circunstância é o aumento populacional, aumento a força de trabalho; mas isso é um processo muito lento do ponto de vista histórico. Sociedade de classes A sociedade de classes entra nesse longo processo histórico como a forma mais eficiente que a humanidade encontrou para desenvolver as forças produtivas. A sociedade se organiza de tal forma que a maioria da população vai ter o seu trabalho excedente expropriado, roubado pela minoria. O resultado é que essa minoria arrecada tanto recurso, tanta riqueza, que ela não consegue consumir a riqueza que arrecada e, portanto sobra para ela desenvolver os seus negócios. Mediação O desenvolvimento das forças produtivas nas sociedades de classes, em linhas gerais, a procura é maior que a oferta. Assim, a tendência é que o preço de determinado produto fique acima do preço de custo, proporcionando o lucro. Essa mediação do mercado (relação mercantil), é historicamente muito adequada para que o período de carência seja superada; não o de miséria. Pela primeira vez a humanidade produz mais do que ela precisa, de uma forma plena, e sobra para desenvolver as forças produtivas. Pela primeira vez a oferta fica muito maior que a procura. O mercado vai se tornando um mercado saturado, com uma produção maior que a necessidade. E o resultado disso é que pela primeira vez, ao longo da história da humanidade, o mercado não funciona mais como uma mediação adequada para desenvolver as forças produtivas. A mediação do mercado faz com que de tempo em tempo haja uma baita crise que trava a produção. Chega um determinado momento em que a produção não pode continuar aumentando porque os preços não compensam mais. Saímos de um longo período histórico em que as relações mercantis levavam a produção para frente, mas que depois passa a ser travada por crises sucessivas. É o que Marx vai chamar de crises cíclicas. Revolução industrial Há evolução histórica que muda de patamar quando se passa pela revolução industrial, ou seja, quando a gente entra no capitalismo industrial, no capitalismo maduro. Antes desse momento histórico, as relações mercantis tinham uma mediação adequada para levar as forças produtivas para frente. Portanto, produzir por lucro e não para atender as necessidades humanas, ou produzir para reproduzir de uma forma ampliada a propriedade privada da classe dominante era o meio mais adequado do ponto de vista histórico para desenvolver as forças produtivas. Pela primeira vez na humanidade a produção para o lucro passa a ser um entrave às forças produtivas. E só dá para superar esse modo de produção antagônico se o modo de produção capitalista for superado. Entre o final da revolução industrial (1830) e a grande crise de 1870-71, Karl Marx percebe que o modo de produção capitalista do século 19 só pode se reproduzir aumentando a produção cada vez mais. Ao mesmo tempo, para gerar essa produção cada vez maior tem que desenvolver tecnologia, desenvolver novos métodos de gerência, é necessário fazer cada vez mais investimento para aumentar o lucro de uma forma cada vez menor. A relação entre o que se tira da mais-valia e o que é investido vai fazer com que o investimento vai se tornando cada vez mais pesado. Isso faz com que o lucro da empresa aumente, mas a lucratividade, ou seja, a relação entre o lucro e o investimento vai diminuindo . Isso vai fazer com as empresas tenham uma margem de manobra cada vez menor. Elas vão tendo cada vez menos gordura para queimar e quando chega a crise, essa bate nelas de uma forma muito mais violenta. Então Marx vai mostrando que o capitalismo do século 19 é composto de crise repetidamente. E essas crises aparecem entre 8 e 12 anos. Quando Marx está dizendo que o capitalismo não pode mais desenvolver as forças produtivas, ele não está dizendo que o capitalismo não pode desenvolver a produção ou a tecnologia. O que são as forças produtivas para o Marx? É a capacidade humana de tirar da natureza aquilo que a humanidade precisa para se reproduzir e quanto maior for essa capacidade significa que menos tempo a gente tem que gastar transformando a natureza e mais tempo a gente pode ser livre dessa relação com a natureza. Portanto, mais tempo a gente pode ser humano. A relação do capital com a humanidade não é uma relação de identidade, é uma relação de alienação. Se Marx está dizendo que existe uma contradição antagônica entre o desenvolvimento das forças produtivas e o modo de produção capitalista, ele está dizendo que o capital é capaz de controlar a humanidade. Enquanto existir capital, todos nós seremos personificações do capital. Isso está no livro primeira d'O Capital. Imperialismo Chegando nos anos de 1870-71, o capitalismo começa a passar por uma transformação importantíssima. Saímos do período do capitalismo concorrencial e entramos para o capitalismo monopolista. São duas diferenças fundamentais. Em primeiro lugar, os grandes monopólios passam a ter uma interferência sobre o Estado qualitativamente diferente do que se tinha antes. Houve uma concentração do capital na esfera econômica que mudou as relações de poder no interior da classe dominante, portanto, as relações da classe dominante com o Estado também se alteram. Por causa disso começa o “imperialismo”. Claro que o capital já era imperialista antes. Mas a partir de 1870, a política externa dos grandes estados capitalistas está diretamente ditada pelos grandes monopólios e grandes cartéis. Nos poucos países capitalistas centrais acontece um fenômeno curioso. A generalização da produção industrial vai fazer com que fique mais barato comprar a roupa, o feijão, industrializado, do que ele fazer isso na casa dele. A partir dessa industrialização dos meios de subsistência a burguesia começa a ter lucro por causa do consumo operário. A burguesia passa a ter lucro porque está vendendo os produtos industrializados e porque como a reprodução da vida do trabalhador se torna mais barata, ela pode pagar um salário menor, e com isso aumenta a mais-valia. Aproximação Pela primeira vez no modo de produção capitalista passa a ser possível a um setor importante a classe operária negociar com a burguesia um aumento de sua capacidade de consumo e passa a haver, dentro de limites muito estreitos, a possibilidade de uma convergência entre setores da classe operária com a burguesia. Isso possibilita o racha a classe operária nos países capitalistas avançados e com os trabalhadores do resto do mundo. Estados Unidos Lentamente o aumento do consumo dos trabalhadores aparece como um fator de crescimento econômico importante nos países capitalistas mais avançados, e o resultado disso é que a gente deixa de ter aquelas crises cíclicas como ocorriam no século 19. Agora, a primeira grande crise do século 20 vai ser administrada com a Primeira Guerra Mundial. A segunda grande crise, que vai acontecer em 1929, vai ser administrada com a ascensão do nazi-fascismo. Quando está terminando a Segunda Guerra Mundial, a economia capitalista está numa situação dificílima. O grosso da principal economia capitalista mundial está destruída pela guerra. Japão, completamente arrasado. Todos os grandes pólos industriais da Europa, arrasados. Mas os Estados Unidos terminam a Segunda Guerra Mundial produzindo mais da metade da produção industrial do mundo. Com 6% da população mundial, consomem 30% da energia que o mundo consome. Produzem um navio de guerra por dia, um tanque a cada sete minutos. Era uma produção gigantesca. E do dia pra noite a guerra termina em ao tem onde escoar essa produção. Bem-estar social Em 1943, depois de Batalha de Stalingrado, quando ficou claro que a Alemanha iria perder a guerra, o governo estadunidense reúne um grupo de pensadores para pensar o que iria ser a economia mundial no período pós-guerra e deste grupo, um cara que vai se tornar chave, o Dan Bright, um liberal clássico, portanto um serviçal do imperialismo. E ele vai dizer o que o Keynes disse na crise de 1929; que no curto prazo o jeito de superar a crise não era como se fez em 1929, quando as indústrias cortaram a produção e demitiram. Com isso, segundo ele, restringiram o mercado consumidor, gerando mais desemprego, quebrando a indústria, a agricultura,os bancos. Ele vai dizer que tem que se fazer o inverso. Temos que fazer uma política econômica através da qual o Estado intervenha na economia para aumentar o consumo e a gente vai sair da crise de superprodução com a intervenção do Estado para ampliar o consumo. Isso era politicamente possível porque existia um classe operária dos países capitalistas centrais que desde 1915 vinham desenvolvendo essa política, não mais de confronto, mas de negociação com a burguesia para aumentar o seu poder aquisitivo, é o Estado de bem-estar social. Do outro lado havia a União Soviética. O projeto bolchevique de uma revolução internacional não dá certo por infinitas razões históricas, não apenas ideológicas. O fato é que, com o passar do tempo, a política externa da União Soviética passa a ser cada vez mais a defesa do Estado soviético. I Após a Segunda Guerra Mundial passa-se a haver uma negociação cada vez mais intensa entre a União Soviética e os grandes países capitalistas, a política dos partidos comunistas ligados à União Soviética no resto do mundo transformou-se em uma política de negociação e pressão junto aos governos capitalistas e não de confronto para derrubar o capitalismo. Nesse momento, a social-democracia e o estalinismo, para simplificar, eles convergem no mesmo sentido. O que vai subsistindo é um processo de máquina partidária, de máquina sindical, e um processo de educação do trabalhador durante décadas, na qual a negociação é o principal instrumento dos trabalhadores, e o confronto é sempre parcial, pontual, se tornando, de fato, um acessório da negociação. Novo Patamar Quando o estado de bem-estar social, já no final da década de 1960, não consegue consumir a abundância da produção, a crise do modo de produção capitalista entra num novo patamar. A crise não tem fim. Ela se transformou na única forma que o modo de produção capitalista tem de se reproduzir. Num primeiro momento, ela se apropria da riqueza capitalista acumulada sob a forma da propriedade estatal capitalista burguesa; pega essa riqueza e privatiza, ou seja, queima essa riqueza para financiar a crise que está girando, que foi a primeira fase do neoliberalismo. Depois, quando não dá mais conta, a economia começa a viver, de um lado, da especulação financeira, e do outro lado, de bolhas. Na medida em que a especulação financeira deixa de ser uma prática pontual e passa a ser a prática cotidiana de vários grupos capitalistas, um começa a apostar no outro. Neoliberalismo Quando da crise do estado de bem-estar social se passou para a crise estrutural, era o momento para a classe operária se lançar às lutas. Defender as suas conquistas, defender o Estado de bem-estar social. Mas por que não fez isso? Porque no período do Estado de bem-estar social não era dela. Nem projeto social democrata e nem o projeto democrático estalinista. Deu no que deu. Os sindicatos sociais democratas viraram as costas. Como o CUT fez aqui quando os petroleiros fizeram a greve contra o governo FHC, em 1995. Ali era o momento de quebrar o (governo) Fernando Henrique. A CUT jogou o papel do neoliberalismo. Por que? Porque é uma estratégia de negociação democrática. Não é um confronto. No momento de crise estamos todos juntos. Quando vem o neoliberalismo, quando se instala a crise estrutural, a classe operária tem atrás de si uma enorme derrota histórica, porque ela não tem mais nem a ideologia do confronto e nem as organizações que poderiam levá-la ao confronto. A burguesia consegue, nesse momento de crise estrutural, fazer com a classe operária o que ela quis fazer. Fez a reestruturação produtiva, aumentou barbaramente o desemprego, intensificou a jornada de trabalho. A burguesia voltou a ter em plena crise estrutural uma lucratividade maior que a lucratividade durante o período do bem-estar social. O estudo dele indica que no apogeu do neoliberalismo a lucratividade foi maior que sob o Estado do bem estar social. Foi uma das maiores que a burguesia teve ao longo da sua história. Não há mais riqueza sob a forma estatal para ser privatizada, para financiar a crise. Jogou a África na miséria, criou pólos de miséria nos próprios países capitalistas centrais, e mais sério que isso: intensificou ainda mais a exploração sobre os países capitalistas periféricos e o resultado disso é que o mercado consumidor desses países se contraiu também. Isso vai fazer com que a gente chegue a um determinado momento que nem as bolhas conseguem mais sobreviver. Aí começa a crise de outubro do ano passado. Caminhos Desde a década de 1970, o Istvan Mesários vem dizendo que a humanidade passou para um outro patamar da crise; que esta crise é estrutural e isso significa que a gente já está vivendo um período de transição. Para a burguesia, a crise é algo inevitável, é como se fosse um temporal. Mas a crise é uma relação social. Portanto, quem determina para onde a crise vai é como a humanidade vai reagir à crise. A saída da crise está na luta de classes. Se o proletariado se mexer e entrar na História como o antagonista do capital, que, de fato é o capitalismo, vai prolongar essa crise “ad infinitum”. Destrói a humanidade. Mas qual o problema do capitalismo, ele não vive de humanidade, ele vive de mais-valia. Não há política nacional que dê conta do desemprego, não há política nacional que supere o desequilíbrio ecológico, que supere os problemas as desigualdades históricas entre homens e mulheres, que seja capaz de fazer qualquer distribuição de renda, seja ela qual for. Não há o que fazer, a não ser a revolução. A gente vive um momento histórico que aparentemente é muito fechado, sem perspectivas, mas é o contrário, as possibilidades são infinitas. O proletário tem que assumir a luta aberta contra o capital e portanto, pelo comunismo. Não dá mais para a gente enfrentar esse momento histórico do modo como a gente fazia há dez, vinte anos atrás; ampliar direitos, democratizar o Estado, a sociedade, isso não funciona. A experiência histórica nos demonstra isso. Mas os revolucionários têm que se reciclar, tem que voltar ao Marx, não ficar mais nessa política de curto prazo, de médio prazo. Tem que pensar grande, porque se um revolucionário não pensar grande, quem é que vai pensar? Fonte: Brasil de Fato