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sexta-feira, 23 de julho de 2010

Bota a sandália de prata e vem para Oktober sambar

*Por Mateus Skolaud
Santa Cruz do Sul, a partir das duas últimas décadas do século passado, notabilizou-se por estabelecer algumas estratégias de afirmação da “identidade germânica” na cidade. Os anos 80 configuraram um cenário marcado pela intensificação de políticas públicas estruturadas com um forte caráter identitário. É neste contexto que no ano de 1984 foi formatada a principal e mais conhecida festa santa-cruzense, a Oktoberfest. Dentre as características desta festividade, estão, de um lado, a identidade étnica alemã (re)construída a partir da colonização teuto no Vale do Rio Pardo e, por outro, a questão econômica, vinculada a atividade turística.

A Oktoberfest é apresentada como um retorno às tradições legadas pelos antepassados. Elementos como o trabalho, a bravura, a coragem, a higiene, o espírito empreendedor e associativo, são alguns dos adjetivos ressaltados e reverenciados. A cada ano, a festa tem reafirmado identidades e reforçado laços simbólicos, partindo de mitos, costumes, crenças, modos de ser e fazer. Nesse caso, a Oktoberfest tem uma função política evidente numa cidade caracterizada pela diversidade étnica. O rito reforça o laço da comunidade, tanto na efervescência dos meses de preparação, bem como no período da festividade, em outubro. Neste sentido, a Oktober pode ser entendida como um ritual que objetiva reunir o presente ao passado de Santa Cruz do Sul, o indivíduo à comunidade, constituindo um espaço de rememoração para recordar anualmente o que não deve ser esquecido.
Assim, esta rede de símbolos e significados que são (re)criados e atribuídos ao pioneirismo alemão na região, são os mesmos elementos que, por sua vez, caracterizam e legitimam as relações de pertencimento junto a este imaginário local, isto é, toda a cidade possui uma identidade que faz com que os indivíduos a reconheçam e se reconheçam nela como individualidade. Por outro lado, também, são estes os mesmos elementos que servem como referencia contrastiva nas relações interétnicas, ou seja, estas relações envolvem uma série de recursos simbólicos e materiais, onde a afirmação da identidade e a enunciação da diferença traduzem o desejo de diferentes atores garantirem o acesso privilegiado aos bens sociais.
Não é por outro motivo que, a escolha de uma rainha morena, de sobrenome italiano, de cabelos escuros e que não é natural de Santa Cruz do Sul, cause tanta polêmica. A perspectiva “normal” seria novamente o estereótipo, ou seja, a escolha de uma mulher loira de descendência germânica, de modo que a tendência à naturalização da cultura, são características que permitem a definição de fronteiras culturais/étnicas internas na comunidade, como é o caso da eleição das Soberanas da Oktoberfest.
Para tanto, acredito que a eleição de Maíra Farinon representa um marco simbólico importante para a diversidade cultural santa-cruzense. Maíra que já foi rainha da Festa do Feijão, alimentação escrava, sinônimo de identidade nacional e que hoje é considerado o prato que melhor simboliza a culinária brasileira, independentemente de classe social. Agora representa a Festa do chopp e do chucrute, nada mais hibrido e contemporâneo, como a própria seleção alemã da copa do mundo da África do Sul, com 11 dos 23 jogadores oriundos de famílias imigrantes, caracterizando uma riqueza cultural sem medida, incluindo a estes o nosso Cacau, atleta brasileiro, negro naturalizado alemão.
Parabéns Maíra Farinon, seja bem vinda, e para encerrar parafraseio o poeta:
Morena boa
que me faz penar
Bota a sandália de prata
E vem pra Oktoberfest sambar

* historiador 

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