
Nesta entrevista exclusiva ao Brasil Autogestionário, Raul Pont fala sobre o papel da Economia Solidária e da autogestão no projeto socialista.
“Reconstruir a economia solidária a partir do conceito de movimento social e inseri-la definitivamente numa dinâmica de luta de classes é essencial” Raul Pont
Brasil Autogestionário: A Economia Solidária (ES) têm crescido muito, principalmente na América Latina, desde a década de 90, como uma resposta dos (as) trabalhadores(as) ao desemprego causado pelas políticas neoliberais. O que falta hoje para a Economia Solidária avançar como alternativa econômica e política dos(as) trabalhadores(as)?
Raul Pont: Esse ressurgimento da economia solidária a partir da década de 90, como foi dito, acontece como reação ao desemprego causado pelas políticas neoliberais efetivadas na época em quase todos os países da América Latina. Veja-se que em tal cenário a Ecosol surge como uma reação, sem estratégias de longo prazo, apenas como possibilidade de geração de renda para homens e mulheres desempregados. Atualmente o que surge é a necessidade de um projeto, ou seja, de uma estratégia e plano de ação. Nesse caso, reconstruir a economia solidária a partir do conceito de movimento social e inseri-la definitivamente numa dinâmica de luta de classes é essencial. Isso se faz de duas formas: primeiro firmando a ecosol como instrumento da classe trabalhadora; e segundo fazendo com a mesma se agregue às lutas da classe. Um exemplo de como se pode conjugar a expansão da ecosol com a dinâmica de luta de classes é a luta por distribuição de renda. O tema central nesse caso para a economia solidária é o aumento de recursos do setor público para seus empreendimentos. Como tal luta pode-se agregar as lutas de toda classe trabalhadora? Defendendo-se que tais recursos sejam obtidos em detrimento de subsídios concedidos ao capital. E esse é apenas um exemplo, existem outros vários.
“Não se quer somente uma maior geração de emprego e renda para homens e mulheres, mas se visa, principalmente a transformação do atual estágio da sociedade, e tal transformação vai desde as relações de propriedade e produção, como também uma nova postura ética e moral” Raul Pont
Brasil Autogestionário: Em sua opinião os partidos de esquerda estão conseguindo acompanhar esse processo de emergência da Economia Solidária?
Raul Pont: Essa nova dinâmica da ecosol é resultado, principalmente, da afirmação do caráter transformador da economia solidária. É dentro desse contexto que a ecosol se afirma como instrumento da classe trabalhadora na luta de classes. A visão de que o fim último da ecosol é a transformação social permite a construção de uma estratégia de longo prazo para a mesma. Não se quer somente uma maior geração de emprego e renda para homens e mulheres, mas se visa, principalmente a transformação do atual estágio da sociedade, e tal transformação vai desde as relações de propriedade e produção, como também uma nova postura ética e moral, em que sai de cena a maximização do lucro e entra o desenvolvimento pessoal e social dos participantes do empreendimento solidário.
“Na medida em que a ecosol se constrói como instrumento de transformação social, os partidos vão agregando em suas pautas as lutas do movimento” Raul Pont
Brasil Autogestionário: Como a Economia Solidária e o tema da Autogestão estão sendo incluídas nas proposições da esquerda brasileira?
Raul Pont: Isso ocorre, mas de maneira lenta. Na medida em que a ecosol se constrói como instrumento de transformação social, os partidos vão agregando em suas pautas as lutas do movimento. Hoje, já existem partidos bem avançados nessa construção como o Partido dos Trabalhadores, mas em geral, essa assimilação é mais lenta.
Brasil Autogestionário: Identificamos hoje na América Latina, e no Brasil em particular, a emergência de um novo movimento social e econômico em torno da Economia Solidária, organizados em diversos Fóruns, Redes e ONGs. Em sua opinião qual o significado desse novo movimento social para o atual estágio de luta de classes?
Raul Pont: Os temas da autogestão e da economia solidária ainda são pouco construídos dentro da esquerda brasileira e geralmente vem ligado ao conceito de cooperativismo. No entanto, nota-se que aos poucos esse cenário vem mudando. O número de trabalhos escritos sobre esses dois temas aumentou muito desde o início da década de 90. No plano governamental, foi criada no início do governo Lula a Secretaria Nacional de Economia Solidária, a SENAES, que é responsável pelo desenvolvimento da ecosol dentro do governo. Claro que os recursos repassados ainda são bastante abaixo do necessário, mas a própria criação da secretaria já é algo que indica uma mudança na relação entre Estado e ecosol.
Brasil Autogestionário: Em que medida esse movimento contribui para um processo de renovação do socialismo?
Raul Pont: Ele tem a possibilidade de reconstruir o socialismo sobre novas bases. A experiência do socialismo real teve forte caráter burocrático e centralizador. A autogestão teve um papel muito pequeno dentro dessas sociedades. A economia solidária surge então como a prática, através da autogestão, de algo caro para o socialismo: o controle do trabalho sobre o processo produtivo. E mostra que isso é possível na prática através da autogestão.
“…Pode-se ver a ecosol como anti-capitalista, pois se apóia e defende a mudança radical no atual processo produtivo hegemônico, e como socialista já que seus valores são congruentes com os valores socialistas” Raul Pont
Brasil Autogestionário: É possível identificar hoje na esquerda três posições a respeito da Economia Solidária. Uma que é crítica, no qual se identifica a Economia Solidária como uma prática “complementar” à economia capitalista, sendo funcional ao sistema. A outra visão, cuja referencia está em Paul Singer, identifica a Economia Solidária como sementes/embriões de socialismo nos interstícios do capitalismo, com potencial e sentido contra-hegemônico, portanto, como uma prática anti-capitalista. E a terceira que a identifica como uma proposta “anarquista”.Qual sua opinião sobre essas três visões antagônicas da esquerda a respeito da Economia Solidária?
Raul Pont: Creio que é possível hoje afirmar que a economia solidária atua como a sinalização de que algo diferente da maximização do lucro é possível. Nesse sentido, pode-se ver a ecosol como anti-capitalista, pois se apóia e defende a mudança radical no atual processo produtivo hegemônico, e como socialista já que seus valores são congruentes com os valores socialistas. Assim, ver a ecosol como processo complementar à economia capitalista não é possível já que os dois processos de produção atuam sob lógicas e objetivos diferentes. É na luta contra o atual sistema de produção que a ecosol se fortalece.
Brasil Autogestionário: Em sua opinião porque uma parcela significativa da esquerda socialista ainda é crítica ao tema da autogestão?
Raul Pont: No meu ver, tal posição ainda é resquício do socialismo real de matriz burocrática, onde o cunho centralizador do partido único era inegável. Mas creio que uma mudança em tal mentalidade já começou a ocorrer. Temos exemplos importantes de um novo pensar, como o já citado Paul Singer.
“Hoje, demonstrada a viabilidade da ecosol e a possibilidade da autogestão, qualquer projeto socialista que não tome esses dois elementos como aspectos centrais é um projeto caduco”. Raul Pont
Brasil Autogestionário: Existe hoje espaço na esquerda para um projeto socialista baseado na autogestão?
Raul Pont: Claro que existe. Diante da atual crise e do conseqüente enfraquecimento da hegemonia neoliberal, se faz mais do que necessário um novo projeto de desenvolvimento. A economia solidária deve fazer, dentro de uma perspectiva socialista, parte desse projeto e fator fundante de uma nova ética produtiva, além de dar prioridade na geração de emprego e renda. Hoje, demonstrada a viabilidade da ecosol e a possibilidade da autogestão, qualquer projeto socialista que não tome esses dois elementos como aspectos centrais é um projeto caduco.
“ A construção do socialismo passa pela construção da ecosol, ou melhor, que a primeira é a segunda em perspectiva”. Raul Pont
Brasil Autogestionário: Que posição você acha que as forcas políticas de esquerda, socialista, deveriam assumir em relação ao tema da Economia Solidária?
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