Produção cultural, eventos e festivais de música. Planejamento Estratégico e Operacional, Formação política, para sindicatos e ONGs

sexta-feira, 18 de março de 2011

A legalidade da jornada móvel e variável

Adotada pela rede de restaurantes, a jornada de trabalho móvel e flexível não é regulamentada pelas leis trabalhistas
Sexta-feira, 18 de março de 2011

Michelle Amaral
da Redação

Kelly tinha acabado de concluir o ensino médio e desejava ingressar em uma faculdade. Mas não podia assumir o compromisso com um curso superior, porque trabalhava em horários alternados na rede de restaurantes fast food McDonald´s. “Tentei até conversar com uma das gerentes, mas ela me disse que se quisesse estudar que largasse o emprego. Eu larguei”, conta a jovem, que para poder estudar teve que pedir demissão de seu primeiro emprego, conquistado há apenas cinco meses.
Ao ser contratado pelo Mc Donald´s, o funcionário assina um contrato de trabalho que determina a remuneração pela hora trabalhada. Este tipo de contrato é previsto pelas leis trabalhistas. Conforme a Lei n.º 8.542/92, que rege sobre a política nacional de salários, o vencimento pode ser calculado por hora.
No entanto, além da remuneração por hora, o contrato do McDonald´s também define uma jornada móvel e variável que, em outras palavras, significa que o trabalhador não terá uma carga horária diária fixa, ficando à disposição da necessidade da empresa.
O Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis e Restaurantes de São Paulo (Sinthoresp) denuncia tal prática sob alegação de que ela representa danos ao trabalhador. Em relatos à entidade, gravados e divulgados através do Youtube, trabalhadores contam os impactos da jornada móvel e variável em seu dia-a-dia. O funcionário pode ser chamado hoje para trabalhar à tarde e, amanhã, para trabalhar no período noturno. Além disso, em baixa temporada, chega a trabalhar apenas duas horas por dia. “A gente nunca sabe o quanto vai ganhar”, afirma uma ex-funcionária, que trabalhou na rede durante quatro anos.
Em contrapartida, em alta temporada, quando o movimento de clientes é maior, trabalha além do horário normal, de seis horas, chegando até a exceder o previsto por lei de no máximo duas horas extras por dia.
O advogado do Sinthoresp, Rodrigo Rodrigues, afirma que esse tipo de prática prejudica o trabalhador, porque o mantém à disposição da empresa em tempo integral. Segundo ele, ao submeter o funcionário à jornada variável, a empresa lhe nega o direito de decidir o que vai fazer de sua vida, como iniciar um curso, se comprometer com uma prestação na compra de algum bem ou planejar o futuro. "Uma das vantagens de um horário pré-estabelecido é a rotina que você cria, inclusive para sua vida econômica e familiar", explica Rodrigues.
Além da incerteza sobre o horário de trabalho, o funcionário também não tem uma regularidade na remuneração mensal. Quando trabalha mais, ganha mais. Quando trabalha menos, ganha menos. De acordo com Rodrigues, há testemunhos de funcionários do McDonald´s que chegaram a receber menos de R$ 100 em um mês, por causa do pouco tempo que trabalharam devido às dispensas por baixo fluxo de clientes.
Para Rodrigues, esse tipo de prática somente revela a política de lucro em detrimento do bem-estar do trabalhador levada a cabo pelo McDonald´s. "Ao mesmo tempo que se concede o direito de um primeiro emprego a um adolescente, busca-se nele um lucro descomunal" ao submetê-lo exclusivamente às necessidades da empresa, alerta.

Sem regulamentação
Em junho de 2010, o Ministério Público do Trabalho (MPT) do Rio de Janeiro obteve parecer favorável à proibição da jornada de trabalho móvel e variável em duas lojas da rede de restaurantes. A sentença foi proferida pela juíza Áurea Regina de Souza Sampaio, da 34ª Vara do Trabalho, que condenou o McDonald's ao pagamento de R$ 1 milhão a título de danos morais coletivos, a ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e aplicou uma multa de R$ 1 mil por cada trabalhador encontrado em situação irregular. O MPT ajuizou uma ação civil pública após colher dados e informações que comprovaram a ilegalidade da prática nas duas lojas cariocas da rede.
Já em São Paulo (SP), a Justiça do Trabalho, em fevereiro de 2010, não acolheu o recurso do MPT da 2ª Região contra a jornada móvel e variável e validou a cláusula que determina o regime de trabalho estabelecido pelo McDonald's. Nessa mesma ocasião, o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Refeições Rápidas (Sindifast), ao qual os trabalhadores do McDonald's são filiados, manifestou-se a favor da prática.
De acordo com o advogado do Sinthoresp, há decisões pontuais sobre a jornada móvel e variável, como nos casos das ações do MPT no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas não há um mérito explícito do Tribunal Superior do Trabalho. Assim, fica sob responsabilidade de cada juiz a decisão sobre a legalidade nas ações movidas pelos trabalhadores e o sindicato.
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) também não dispõe de uma regra sobre o tema. Há quem utilize o Artigo 444 da CLT para defender a prática. O texto estabelece que "as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes".
Rodrigues explica que "não se discute a livre iniciativa, desde que ela seja amparada pela valorização do trabalho", o que no caso do McDonald's, segundo ele, não se aplica. Conforme alega o Sinthoresp, a jornada móvel e variável na rede de restaurantes além de representar perdas ao trabalhador, vem acompanhada de outras irregularidades, como a prorrogação da jornada de trabalho além do limite legal de duas horas e a não concessão do período mínimo de 11 horas consecutivas de descanso entre duas jornadas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário