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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Lutas de emancipação do povo negro e contribuições do marxismo

A necessidade de contrapor o mito da “democracia racial” que apresentava ao resto do mundo, uma dinâmica cordial nas relações sociais entre brancos e negros no Brasil, cordialidade essa que resultava da aparente ascensão social do mulato (descendente de brancos com negros), no período colonial, se tornou uma das principais bandeiras que unificou e reorganizou a militância negra no período contemporâneo.
Clédisson Júnior *
É importante ressaltar o aspecto de reorganização da militância de negros e negras, pois muito pouco, se tem pesquisado sobre o processo de organização para fins de resistência dos negros e negras no Brasil em especial no período em que perdurou a escravidão formal, a qual se convencionou apresentar como característica inerente aos negros e negras escravizados a passividade ante a sua condição de cativos.
O MOVIMENTO NEGRO CONTEMPORÂNEO
O processo de reorganização do movimento negro teve como auge o surgimento do “Movimento Negro Unificado contra a discriminação racial” na década de 1970. O MNU apresentava ao conjunto da sociedade, a denuncia de um Brasil invisibilizado pela crença na igualdade de oportunidade entre negros e brancos e pela recorrente opção pela universalização da disputa social fundamentada na exploração de classes característica fundante do sistema capitalista, aonde intelectuais e organizações de esquerda acreditavam que superada as desigualdades de classes automaticamente se suprimiria as opressões étnicos-raciais.
Nos anos que se seguiram foram surgindo outras organizações que pela luta social, buscavam combater a opressão vivida pelos negros e negras no Brasil, que muito contribuíram para a consolidação do processo de reorganização e colocou na agenda social, o combate ao racismo.
A DICOTOMIA RAÇA E CLASSE
A partir da segunda década do seculo XX, intelectuais e organizações marxistas compreendiam o preconceito racial como elemento indispensável na dinâmica de funcionamento da sociedade brasileira contudo pouco contribuíram objetivamente sobre a discussão do racismo no Brasil. Analises apontam que a lacuna deixada pela critica marxista no campo da opressão vivida pelos negros e negras no Brasil se dá a partir do entendimento de que o país se encontrava em um estagio semi-colonial no que tange a sua estrutura econômica e era dirigido por uma aristocracia agraria-feudal, e que esta disposição do quadro social travava o desenvolvimento das forças produtivas, adiando deste modo o processo de ascensão da burguesia e o aprofundamento do modo de produção capitalista, etapa necessária para o surgimento do movimento emancipatório da classe trabalhadora, como parte integrante do ideário marxista-revolucionário.
Tal perspectiva secundarizou as discussões sobre o racismo no campo das organizações de esquerda, resultando em um processo de afastamento de grande parte dos intelectuais e das organizações do movimento negro. Contudo é importante evidenciar que foi do Partido Comunista Brasileiro - PCB o primeiro candidato negro a presidência da republica nas eleições de 1930 com o operário Minervino de Oliveira e também do mesmo partido o primeiro negro a ser eleito deputado federal nas eleições de 1945 com Claudino Silva.
O MARXISMO E O MOVIMENTO NEGRO
Com o aumento de sua base social e um objetivo processo de amadurecimento organizativa de suas direções, parte significativa do movimento negro passa a compor cada vez mais o campo dos movimentos identitários, movimentos esses que buscam alcançar direitos negados pelo conjunto da sociedade, direcionando assim uma ação politica que pouco ou nada dialoga com uma necessária ruptura com o modo de produção capitalista que tem no racismo um de seus pilares estruturantes.
Muitas foram as contribuições do marxismo para o processo de organização social, aonde elementos constitutivos como o materialismo histórico, modo de produção da burguesia, a teoria da mais valia entre outros permitiu ao longo de um largo período de nossa historia contemporânea um método de analise e ação, que inspirou homens e mulheres a se organizarem na busca por uma sociedade justa. Resultando em algumas experiencias reais de chegada ao poder pela classe trabalhadora.
Assim como a própria historia, o marxismo também viu suas bases teóricas serem alteradas, a qual em sua primeira expressão marcada pela verdade intransigente das lutas de classes a uma ideia de não predestinação mas o reforço do determinismo da matéria, que ao atender suas diferentes necessidades, alteram também as nossas opções e concepções, conceituando assim a dialética marcada pela constante transformação da historia.
Este processo de constante movimentação, que também podemos chamar de atualização mediante as realidades vivenciada pelos marxistas culminou em reorganização programáticas, aonde foi possível desenvolver uma perspectiva da chegada ao poder da classe trabalhadora pela via pacifica, utilizando da estrutura democrática para alterar o estado de exploração.
Deste modo, o marxismo hoje também se coloca na condição de apresentar e somar as pautas que dialogo com os movimentos identitários, apropriando de parte de suas formulações e contribuindo com as suas dinâmicas organizativas e com o processo de formação destes militantes.
A busca pelo dialogo necessário entre o programa apresentado a classe trabalhadora e a luta pela igualdade nas oportunidades entre negros e brancos, coloca em novos patamares o campo teórico analítico.
O INTELECTUAL ORGÂNICO E O MOVIMENTO NEGRO
O conceito de intelectualidade orgânica surge a partir da avaliação critica de que as direções dos movimentos ligados a emancipação da classe trabalhadora, se fechavam em analises abstratas sobre o processos formulativo, estando alheios ao desenrolar objetivo da luta dos trabalhadores e das trabalhadoras, esse distanciamento da direção “pensante” do movimento, gerou desgastes e distanciamento da base, não permitindo assim que a luta lograsse objetividade em seus intentos.
Segundo Antônio Gramsci, marxista italiano, que a partir de seus estudos nos apresenta que o(a) intelectual orgânico é aquele(a) que elabora uma concepção ético-politica que o(a) habilita a exercer funções culturais, educativas e organizativas para assegurar a hegemonia social e o domínio da classe que representa.
Tal interface se observa com mais propriedade no processo de formação de quadros dirigentes para o movimento social protagonizado por negros e negras, aonde estes mesmos militantes cada vez mais se tornam parte integrante de suas organizações, conectados com os avanços do mundo do trabalho, com as novidades no campo analítico produzido pelas universidades, em constantes contatos com as outras organizações politicas-sociais, se tornando verdadeiro(a)s intelectuais comprometidos, que organicamente tem por tarefa formular e promover avanços nos aspectos da luta social para o movimento negro.
CONSTRUIR MAIORIA PARA DISPUTAR A HEGEMONIA
Com o acirramento da disputa por hegemonia e o crescente avanço das correntes de pensamento conservadores da sociedade brasileira, se torna tarefa do movimento negro e das organizações do campo progressista o estreitamento de suas agendas e pautas emancipatórias, aonde se torna essencial a compreensão de que a transição para uma sociedade solidaria, justa e calcada em valores verdadeiramente democráticos será fruto de muita mobilização social e aprofundamentos dos instrumentos que garantam cada vez maior participação da população na dinâmica de direção da sociedade.
Aos socialistas cabe apresentar ao conjunto do movimento negro, que ao se deparar com uma sociedade injusta e desigual, a busca pela equidade deverá ser precedida pelo tratamento diferenciado para aqueles que vivem “sorte” desigual de oportunidades, construindo conjuntamente instrumentos de compensação, avançando nas discussões sobre as discriminações positivas para aqueles que historicamente vem sendo oprimidos, assegurando as mulheres o direito inalienável a autodeterminação de seu corpo e ao mesmos espaços na vida publica.
O processo de atualização do marxismo enquanto campo analítico, o coloca na condição de cada vez mais ser elemento indispensável na disputa social que enfrentamos cotidianamente.
A transição de um modelo de democracia representativa liberal que falha ao colocar a margem do processo de socialização a maioria da população do país em função de sua posição subalterna na estratificação social e principalmente pela pertencimento étnico a que fazem parte, somente obterá sucesso e transitará para um modelo de democracia, aonde a solidariedade e a igualdade de oportunidades sejam elementos fundantes se for colocado como centro estratégico a organização e o emponderamento de negros e negras e a radicalização da luta pelo fim da racismo.
*Clédisson Júnior é militante do Coletivo Nacional de Juventude Negra Enegrecer e  diretor de Combate ao Racismo da UNE.

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