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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Biutiful – O “trabalho” pelas lentes de Alejandro González Iñárritu

Pirineus is Biutiful” Por Maurício Caleiro
Os chineses se dividem entre uma dupla de exploradores e dezenas de trabalhadores sujeitos a um regime de trabalho pré-Revolução Industrial, que inclui confinamento noturno (tal como ocorre com bolivianos na industria têxtil paulista). Trancados num cubículo, sua morte coletiva dos por asfixia de gás (que vazou dos que vaza dos aquecedores vagabundos trazidos por UxbalI), ao reproduzir o meio pelo qual milhões de judeus foram exterminados por Hitler, atenta metaforicamente para um outro holocausto, diário, cruel, mas quase invisível.
Embora às próprias custas, sem a opressão hierárquica vivenciada pelos chineses no filme, os senegaleses, ao comercializarem os artigos piratas que os orientais fabricam, colocam-se em uma situação duplamente vulnerável: como o menos remunerado elo da cadeia de produção e cotidianamente à mercê da violência da polícia.
Personagem real – Coordenando esses elos, fazendo o meio-de-campo com a polícia e explorando, não sem paternalismo, a força de trabalho de chineses e senegalenses, encontra-se Uxbal, o personagem de Javier Bardem. Baseado em uma figura real – como relata Iñárritu num emocionante e historicamente bem-informado relato sobre a construção do filme (ver aba “Cómo se rodó”) -, o incomum protagonista, que tem ainda de cuidar de dois filhos pequenos e de administrar os vai-e-vem de sua ex-mulher, gravemente bipolar, é informado, logo no início do filme, que está com câncer na próstata e tem poucos meses de vida.
Sem um milímetro de concessão à pieguice, sua busca por redenção e o questionamento da possibilidade dela ocorrer em meio a tal existência são as temáticas últimas do filme, secundadas por uma miríade de questões existenciais e sociais que as tramas interpolos , em sobreposição, despertam.
O astro espanhol dá mostras, uma vez mais, de ser um grande ator. Seu Uxbal é, a um tempo, tão crível e tão contraditório, tão frágil e tão abjeto – e sobretudo tão humano – que é como se existisse de fato. É evidente que os méritos por tal feito não se devem apenas à impressionante atuação de Bardem, mas a um roteiro que promove uma caracterização extremamente bem construída do personagem, a qual não permite enquadrá-lo nos rótulos fáceis de herói ou mesmo de anti-herói – pois ele os transcende.
“Uma porrada” – No entanto, ao contrário do premiadíssimo Amores Brutos (Amores Perros, 2000), do mesmo Iñárritu, em que a narrativa flui fácil e as influências de Tarantino abrem um flanco de comunicação com o público jovem, Biutiful não é um filme para qualquer platéia: o ritmo narrativo é denso, com uma cadência própria, desapressada, e não há a preocupação em fornecer ao espectador picos catárticos – ao contrário, procura-se explorar ao máximo a profundidade psicológica dos personagens e o potencial dramático das situações de modo a fazer aflorar sentidos epifânicos.
O resultado é um filme portentoso, incomum, que arranca lirismo e humanismo da aridez dos personagens e das situações sem deixar de ter o efeito de um soco no estômago.

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